Dois olhos negros olham
duas mãozinhas trêmulas. Nenhum dos dois recorda como começa um papo. Eu podia
citar Spinoza, Engel e Hegel, posso até falar dos meus últimos trabalhos como
pianista, será que eu chamo atenção dela? A mocinha não abre a boca, o que será
que está passando na cabeça dela? Podia tentar adivinhar o pensamento? É!
Assim, ela vai pensar que eu sou cara certo pra ela...
- a gente vai tomar
cerveja? – disse ela
- sim, alguma
preferência?
- pra mim tanto faz
Ela está tão bonita. O
que será que ela quer comigo? Poxa!
- E então... e as suas
canções?
- pois é, preciso mostrar
pra você
Ela começa o papo e fica
em silêncio. Esses olhos que olham trigueiros para a mesa, o chão e o céu. O
que eles esperam do mundo? Queria tanto essa boca! O que será que ela está
falando? Deve ser algum enigma, estou um pouco tonto com ela aqui. Essa menina
pode falar palavrões terríveis na hora da cama, mas é apaziguado quando saem
dessa voz doce. De novo. Ela ficou em silêncio. Vou ver se consigo adivinhá-la.
- Você tem, como chama
mesmo?, acho que é complexo de alguma coisa, sabe?
- não sei. Do que você tá
falando?
- Poxa, tem um livro, o
Freud fala disso, é, como é o nome mesmo?
- complexo de Édipo
- Isso. Você tem Complexo
de Édipo? Por isso, esse receio em assumir compromissos longos, os homens te
assustam um pouco
Ela apenas balança a
cabeça concordando.
- Tá bom! Tá bom! Vou
parar de ler os seus pensamentos
Ler os meus pensamentos.
Cada coisa! Será que esse cara não vai me levar pra algum lugar? A gente vai
ficar aqui jogando conversa fora. Aí que vontade de não fazer nada!
- adivinhei o que você
tava pensando
- uhum
Nunca vou entender.
Caramba! Será que isso é coisa só de homens? Será que é só insegurança do
primeiro encontro? Por que ele quer desvendar o mistério que existe dentro de
mim? Não existe nada além. Só existe isso. Será que não é um misticismo que
jogam nas mulheres, uma espécie de invenção dos mitos na sociedade. Eu não
quero um homem que adivinhe os meus pensamentos, quero alguém que é tão banal
quanto eu. No final das contas, o que existe é só uma pessoa, não quero que me
transformem em musa. Elas (as musas) falam em enigmas, eu falo português,
trazem o passado sedutor e atraem os viajantes com as suas vozes. Eu gosto mais
de ouvir do que falar. Só quero mesmo que ele me leve pra cama e a gente namore
bastante, afinal, é um modo de escapar do tédio que é morar nessa cidade. Que
vontade de falar pra ele que a Esfinge é um mito, na frente dele só existe apenas uma mulher. Lá vai ele
abrindo a boca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário