sábado, 29 de setembro de 2012

Domingo em família


Tchebutykin

É bem possível... O relógio da mamãe é o relógio da mamãe. Aliás, talvez eu não o tenha quebrado de verdade, mas sim aparentemente. Pode ser até que... Nós mesmos só existamos aparentemente e que, na realidade, nada sejamos. Nada sei e ninguém sabe nada. [...] Que há comigo para que me olhem assim? Natacha tem um arranjozinho com Protopopov e ninguém vê... Estão aqui e nada veem...E, enquanto isso, Natacha tem um arranjozinho com Protopopov...

(As três Irmãs, de Tchekhov)

Paredes brancas. No canto da sala, uma cadeira de balanço vazia. Um homem sério atravessa a sala, observa Carlos e Maria sentados no sofá vermelho, rindo descuidadamente sobre assuntos banais. Toninho entra pela porta da frente e grita no ouvido de Carlos:
- Eh! Corinthias é campeão da libertadores!! É campeão invicto!
Maria sorri. Carlos se irrita e inicia a discussão entre os dois homens da sala. O primeiro falando sobre as características que induzem a acreditar que a libertadores foi paga pela Diretoria do time corinthiano, afinal esse time está dentro da máfia futebolística; o segundo defendendo categoricamente o valor político e libertário do timão. O homem sério não é afetado pela conversa, senta na cadeira de balanço.
Acima deles, um relógio ditando o horário. Daqui a pouco, começa o horário para o início das pegadinhas do Faustão. As crianças correm em círculo, muitos gritos misturados, um pequeno coro contra a torcida do timão também é formado, logo em seguida, acontece a reação, outro coro faz a apologia do campeão da Libertadores: “aqui tem um bando de loko!”. A confusão é armada, alguns afirmam que o único time que não pode marcar impedimentos é o Corinthians, o tiozinho grita: “tá bíblia, não existe impedimento pro Corinthias”. E o relógio pendurado na sala dita as horas. O homem sério não escuta as vozes da multidão, instaura a invenção do homem burguês, preso na sua personalidade e inventor da singularidade do seu pensamento próprio, independente da massa. Ele é um homem, o relógio não sente pena de homens, não sentirá pena de apenas um homem.
Maria foge da confusão e caminha em direção a cozinha, as mulheres da família preparam a feijoada de domingo. Os homens e algumas mulheres entendidas desses assuntos futebolísticos permanecem com a discussão, nunca acabada e interminável, sobre as maravilhas do Timão e os predicados sociais que a seita anti-corinthiana denota sobre os torcedores. No futebol, o melodrama é lei, tudo é motivo para criar vilões, loucos e mocinhos.  O homem sério grita. Ninguém escuta. As pessoas, que entram aos poucos na sala, estão preocupadas com o debate entre as prerrogativas futebolísticas, não existe verdade no futebol, existem paixões. Torcedores parecem críticos literários, a briga entre os pareceres da literatura clássica não é uma questão racional, tudo passa pelo gosto, é o embate técnico de paixões desenfreadas postas em campo de batalha. São heróis brigando por heróis. Ninguém quer ouvir um homem sério, todos querem ser ouvidos ao mesmo tempo.
O homem sério fica mais sério. A multidão fica ainda mais fervorosa. Toninho pega o relógio na parede e discursa apaixonadamente sobre as qualidades de ser um torcedor de coração, sem corinthias ele preferiria morrer a estar vivo. Os torcedores apoiam com urras, algumas vaias também são escutadas. O homem sério emudece, ficando cada vez mais sem palavras. Toninho e Carlos brigam para ter a posse do relógio, nenhum dos dois consegue, o relógio cai ao chão. Só a voz do homem sério ecoa na sala:
- em migalhas! (ele chora)
Maria e Anita, que preparavam a feijoada, entram na sala e nota o homem sério em prantos calorosos.
- o relógio da mamãe quebrou – diz Anita
- culpa é desses fanáticos!
Maria apanha as migalhas do relógio, Anita tenta acalmar os ânimos das pessoas presentes na sala de estar. As crianças correm em volta do homem sério, inicia timidamente a discussão sobre futebol, Anita ordena que os homens acalmem os ânimos. O homem sério não é ouvido, recolhe as migalhas e sobe para o quarto. Não existe mais relógio que dita a regra para homens que sabem o que querem quando enfrentam o mundo. 

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Crepúsculo Vermelho


(Breve reflexão sobre a Nova Ordem Mundial)

Nada se retoma, tudo é perdido
o tempo engole o mundo
encolhe
segundos

nada é como antes
mesmo a minha tristeza
amanhece mais triste
entristece o entardecer
muda

tudo se perde, ganha o presente
desconsolo primeiro de que o tempo
já é perdido

a nova ordem do mundo
fronte crepuscular
matando o ocidente
o novo sol poente é vermelho

o antigo crepúsculo que também era vermelho
cai em ruínas modernas, prédios terríveis
(mais feios que as ruínas no museu romano)

nada é igual, tudo se repete
o indivíduo se perde
o tempo engole multidões
nenhuma ideia nova de nação
Brasil, uma nova interrogação

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Um homem sem sobrenome


Olhar de seriedade. Às cinco e meia da tarde... Ele olha, ela não tem certeza. Eu como os restos de amendoim sobre a mesa, nenhuma leitura me fez ter ideia correta de uma possível felicidade nesse mundo (quem sabe ela existe em outros planetas?). Aí! – respiro fundo – como seria bom ter um amozinho pra acordar. Cinco e trinta um. O sol perde a cor; a sombra engrandece timidamente. O olhar de seriedade some, o casal na minha frente se entrega ao um beijo profundo. Paro de observá-los.
Meu olhar de vazio enxerga pouco. A fumaça do homem bigodudo inebria o ar, me recordo de uma definição de felicidade em um conto que eu li. Certamente, era de um amigo carioca. Ao fundo, uma música bem sugestiva: “rompi tratados, traí os ritos/ quebrei a lança/ lancei no espaço/ um grito, um desabafo” [Sangue Latino. Ney Matogrosso] . O meu vazio encontra um pouco de música para preencher, a vida sem música não tem a menor graça. Podem faltar pintores, peças de teatro, livros e poesias, mas a música! Não. 
Um homem se aproxima, eu cumprimento. Ele me pergunta se eu tenho fogo, acendo o cigarro dele com um isqueiro. Nós começamos a papear, eu não falo muito, deixo que o homem sem sobrenome faça o seu discurso.  O homem é professor de história, fala um pouco da época de 1964, outro pouco da traição de Lula, outro pouco nas mortes que viu quando os seus tios, militantes do PT, morreram para construir o partido que hoje está no poder. Um rapaz de dezoito anos se aproxima e diz:
- “agora, com gente jovem no PT, as coisas vão mudar. Eu vou ajudar a fazer um novo PT”.
-  “ Cala a boca! Lave essa boca pra falar no PT, você não sabe o que significa o PT, você não sabe o que é ver um amigo seu levar um tiro por causa desse maldito partido. Você não sabe nada”
- “ mas...”
- “ O PT me traiu, traiu os seus mortos quando subiu ao poder. Você não sabe nada.”
- “ dá pra mudar...”
- “ Cala boca! Lave essa boca pra falar desse partido, os nossos mortos estão sepultados pra história”
- “eu...”
-“ vai tomar no cú!, sai daqui!”
O rapaz saiu nervoso, batendo o pé nas cadeiras da frente. O homem jogou um copo plástico perto da cabeça dele; então o outro mais jovem, também nervoso, reagiu: “seu velho... vá pra puta que pariu! ”. O homem sem sobrenome olhou pra mim, algumas lágrimas adornavam os cílios e perguntou:
- “ você tem mais fogo?”
- “tenho”
Acendi. Ele tragou e saiu cambaleando até o banheiro. Eu não tinha o que falar; o que eu poderia falar? Fiquei silenciosa. O meu silêncio é trevas escondidas que desconheço, não sei exatamente o que pode resultar nesses demônios que não gostamos de cutucar, acostumam-se no escuro e sonham com a claridade mais fresca, serão violentos quando o sol iluminar os olhos acostumados com a sombra. O silêncio virou, a pouquíssimos segundos atrás, o meu melhor amigo.  

II
Depois, a noite ganhou corpo. As pessoas que se acostumaram viver nela, foram encontrando as posições nesse espaço, estavam preparadas para o encontro. Eu, acostumada com o não, me perguntei qual era a hora do sim? Uma moça sentou ao lado da minha mesa e falou:
- “ você sempre vem aqui”
- “sempre”
-“ fica aí olhando, está esperando alguém”
- “não, estou olhando o tempo”
-“ tá um calorzinho bom, né! Você não é daqui né!”
- “ sou sim”
- “ mas e esse sutaque?”
-“ é inventado. Me conte, você está com o seu namorado?”
- “ estou, ele tá no banheiro. Era um rapaz que tava conversando com você, pediu fogo e tudo, sabe?”
- “ Ah sei!..”
O homem sem sobrenome voltou com óculos escuros, começou a brigar com a moça. Ela pediu desculpas e também saiu nervosa. Sete e vinte e cinco. E hoje, já vi duas brigas com esse mesmo homem. Um olhar doce fita meus olhos, não respondo, ofereço outro cigarro.
- “acho que acabamos esse namoro, menina fresca! Você é bem calada. É melhor, quem fala demais, acaba falando besteira. Sabe como você consegue respeito, sabendo pouco e sendo burro. Mediano o suficiente para não se destacar em público! Pessoas originais demais é sempre um peso. Um peso pra sociedade. Um peso pros apáticos. Um peso pra ela própria. Eu sei que sou um peso, minhas palavras são rancorosas. “Todo poema tem os seus lobos”. Essa menina que eu tava comendo, não ia suportar ficar comigo mais um dia, é até melhor pra ela. O sonho dela é ser digna. Ela ainda não descobriu que a dignidade é a maior ilusão da sociedade, é um conto de fantasia, o demônio sempre pega na nossa mão”
- “você tá precisando de alguma coisa?” – eu fiz uma pergunta idiota, ele não estava precisando de nada. Era alguém querendo falar.
- “ eu sou um merda, você é um merda porque não fala o que sente e esses merdas controlam a nossa sociedade, porque merdas como você não quer abrir a boca. Quer ficar aí, calado, respirando a podridão dos outros”
Onze horas. Nós engolimos um pouco de saliva, eu ia dormir culpada e perdida. Se não tivesse uma insônia e uma vontade iminente de...Sei lá o quê. 

domingo, 16 de setembro de 2012

Do conceito Deus e Política


Der note thu sei di pummm
Bikausi der uordi is beautiful
Der boquis on der taiblou is
Very very nice
Ai nouw que os God is very lindiu
Bute, note mistaque os God cristão uiti
As politiquices
Becausi, hipocrisei is very badi
No faça this
Mano, o teu the God is invisible,
Note precisa control uiti mãos very poderosas
Os godes dos mercados
your cocô is note many fedido que 
tua hipocrisia política 
e your blazé of Brazil 


Certo mano! – tenho dito, referências bibliográficas:
Hegel
Grande Otelo
Kant
Alexandre Pires
Menudos
Machado de Assis
Santo Agostinho 

Desabafo sobre o andamento de um certo texto não escrito: Do tratamento sobre o tempo presente em outros processos dramatúrgicos


Casos dramatúrgicos: Nora e Édipo
Eu vivendo nessa modernidade, insisto como uma adolescente babaca em afirmar o meu lugar na estante desses livros clássicos. Mas não estou aqui para discutir a tradição, ela existe e nela encontramos valores da nossa tradição e da nossa cultura. Estive nesses intervalos, repensando as dramaturgias de Nora (Casa de Boneca, de Ibsen) e Édipo (Édipo rei, de Sófocles).
A experiência de Édipo inicia na ignorância e na necessidade de responder uma pergunta: quem foi o assassino do antigo rei de Tebas, o que até então não sabido por ele diante do início da investigação, que Laio era o seu pai. O processo de investigação faz com que ele encontre pistas as quais vão se aproximando mais perto do verdadeiro criminoso pelas pestes que amaldiçoaram a cidade de Tebas, o próprio Édipo rei, tirano e bom senhor de todos; na realidade, também fizera essa atitude terrível e não se recordara desse passado, era ignorante do seu próprio destino. Édipo acaba despertando o monstro que ele não sabia que existia nele, o assassino do seu pai e o amante da sua mãe. Um homem culpado, portanto o destino dele é o exílio de Tebas.
A experiência de Nora inicia na proteção e na calmaria do seio do lar e da família burguesa, esposa do diretor de um banco, ela que come caramelos escondido e mente descaradamente para o seu marido.  No passado, para ajudar o marido com uma doença e conseguir dinheiro, ela falsifica a assinatura do seu pai para a família viajar e descansar na Itália.  Acontece uma chantagem em cima da dama, Nora precisa conseguir um emprego no banco para Krogstand, o homem que fez esse acordo com ela em troca da condição de esconder o documento de seu marido. Senhora Linde se posiciona de modo a que faça esta primeira revelar tudo para Torvald sobre esse crime.  Nora desperta o passado, resolvendo através da revelação e da confissão, ao seu marido Torvald, sobre esse ato de falsificação em um documento no passado. Ao revelar, Nora rompe a tradição, sai de casa e deixa de manter as aparências de calmaria no seio de uma família burguesa. “Na hora que Nora sai e bate a porta, abre-se um vão, o céu quase aborta. A lei que era morta, cai no porão” (Canção de Nora, Tom Zé). Ela pegou a história e fez com as suas próprias mãos.
Em ambos os casos dramatúrgicos, o passado é despertado no presente. No entanto, no tratamento de Édipo o problema é as pestes, isso é um problema real que existe no agora, precisa resolver hoje e aqui. No caso da Nora, o problema é esconder essa falsificação que fez no documento, um crime que pode deturpar a imagem da família perfeita e de Torvald; o problema é real, mas está no passado, mesmo precisando que seja resolvido no agora.
II
No Édipo despertar o passado, não trouxe a liberdade, prendeu-se para sempre no castigo e na eterna culpa que sentia por sujar a cidade e a sua família. Esse valor não foi possível realizar e cumprir-se nessa personagem. A culpa enclausurou sua existência e no fim separou uma parte dela para continuar vivendo. Na Nora despertar o passado, apesar de difícil, trouxe a liberdade, não era mais alegre, mas tomou a decisão de romper com o teatro burguês, ficando mais séria e saindo para constituir a história além da arte. Esse valor realizou-se nessa personagem, no entanto não sem arcar com as consequências, sem lutas ou conflitos, não houve romantismos e nem alegria quando Nora saiu de casa, abandonando o lar para escrever o seu próprio roteiro.
Em Walter Benjamim, o materialista histórico deve despertar no passado uma experiência única, deve imobilizar o presente e os gritos que ainda presidem o instante do aqui e do agora. Talvez, em Nora, isso se vê mais claramente, o passado é posto como uma experiência que precisa ser resolvida e que no final o presente é transformado. Nora muda o meio que vive e se modifica também.

Reflexões sobre autoria e arte                                                                                   
Agora vem a questão: qual é relação dessas obras com a arte que produzo? Nenhuma. É um processo dramatúrgico bastante utilizado, até esgotado por muitas pessoas. Porém, como não sou uma pessoa original, e é esses tratamentos que fazem e observo sobre o tempo presente, me interessam, então apenas noto e anoto para não esquecer e tentar imitar mais tarde.
Como falar do presente hoje sabendo tão pouco desse passado? O processo já andou e entrei nele já com “o bode andando”. Às vezes, por medo de errar, não fazemos o que queremos fazer, o temor nos atrapalha. Entretanto (longe disso ser um tratado de autoajuda!) de que vale a vida se fica proibido inclusive o verbo inventar nos nossos dias.
Estava re-escrevendo uma peça que trabalhava no começo do ano “Pra que não falar de amor em tempos de caos”, mudei todo o meu caminho. Transformei a maneira de contar a história e os dramas da juventude de Anabelle e Miguel. Dois jovens que precisam tomar alguma decisão em pleno fim do mundo.  Se Anabelle sair na rua no dia do fim do mundo vai morrer por causa das Forças Armadas e de uma massa intolerante de homens que estão loucos para matar mulheres de classe média, em compensação, ela não deseja que a sua mãe morra também por esse motivo, só que ela não pretende voltar para casa da tia e passar o ano novo comemorando o medo. Então... Ela precisa decidir se vai passar a noite do fim de ano e do “possível” fim do mundo dentro do quarto de motel ao lado de um rapaz que conheceu a pouco tempo e a pouco metros de distância em um bar? Todo enredo deve (não sei) passar dentro do quarto do motel, ambos contam a experiência de viver no último dia do ano e do caos do fim da história. Pra que esse texto é importante?
É uma tentativa de flagrar a relação de dois jovens com um mundo que está prestes a terminar uma história. Não é para revolucionar nem nada, nem para criar linguagem nova nenhuma, até porque é absolutamente banal e tosco. No entanto, conta sobre os filhos dos sobreviventes e sobre a escolha de alienação e individualização para se proteger contra um mundo violento. A necessidade de uma autoconservação e o trânsito de jovens que poderiam mudar a história que se refugiam dentro de um universo escondido e mais ou menos privado, no mundo de transição. Vivem nessa democracia que iniciou-se a pouco tempo, mas sem conhecer os mortos e os sobreviventes da própria história que já correu. Eles estão no meio do processo, mas são absolutamente ignorantes, sem saber qual caminho tomar, muitas vezes, não escolhem caminho nenhum. Ficam a beira.
Ainda estou re-escrevendo. Esse ensaio é só um desabafo. Talvez, eu nem termine. 

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Divagando com óculos escuros muito estiloso na volta pra casa


A
Então... Pausei de novo. Larguei as minhas responsabilidades para atravessar São Paulo por causa de outro estranho que conheci à toa. Ar seco. Muito quente. Podia chuver, né?
- oi, cê podia me dá algo pra mim comer? Qualquer coisa serve?
-num tenho não, só tenho aqui dinheiro pra passagem
Pra variar, a multidão de homens e mulheres bem vestidos caminhando por aqui, trombando-se com outros, também estressados. Tem coisa que nunca muda, por exemplo, essa Avenida. Continua a mesma, porém, silenciosamente, degradada.

B
Mas, eu? Eu? Claro, eu sou paulistana patriótica. Sou tão paulistana quanto o esgoto do Tietê, porque essa cidade é feito por homens inocentes e limpos, tão cheirosinhos, que se esquecem de limpar a bunda quando saem de casa. Abandonam-se ao odor de bosta, pois acostumaram-se a sujeira patriótica.  A ordem é essa: amai-vos e fedei-vos, juntos irmãos! O progresso é uma coisa emocionante (quase apoteótica!): câmaras invisíveis da última geração espalhadas pela cidade com uma sensação de insegurança rodando o ar (Ou será que é o cheiro do rio Tietê?).

C
Eu prefiro dormir, mas eu acordo. Abro os dois olhos e insisto em ficar sã.
- oi
- sim
- você tem dois minutos pra salvar o mundo? – diz o ativista do Greenpeace
- não tenho não
Engulo a saliva. O sol penetra meus olhos. Ando. Eu vou comer um miojo que não vai matar a minha fome hoje à tarde. Será que eu pego esse ônibus ou outro?

D
Do nada, esperando o tempo ficar meu amigo e chegar logo em casa. Pensei algo insignificante: puta, faz 220 anos que aconteceu a Revolução Francesa! Quantas vezes o capitalismo revolucionou de lá pra cá? Eu sou fruto de tantas memórias de porcarias e violência. Mesmo não sendo francesa. Também nem precisa, meu Brasil do doril e anil, tem nome de remédio e não tem a cura do câncer nem da AIDS. Brasil, meu Brasil, por que você ainda gosta de fazer crianças se faz tempo que a miséria toma no seu rabo e diz que aqui não tem mais espaço pra mais homens doentes?
Meu Brasil! – o seu lema é: “ A Merda e Os Fudidos”. 

E
Mas o Brasil é o país do futuro. O Itaquerão é o centro do universo em 2014. Esse país ainda vai pagar a conta da crise econômica mundial. Sim! Os fudidos vão doar o sangue, os fudidinhos e o coração para alimentar a economia internacional, a merda vai adubar o projeto capitalista.  O Brasil é o super-homem!

F
Quem diria? Eu, em plena juventude, assistiria de perto uma mudança da nova ordem mundial. O gigante vai morrer. Está morrendo.

G
Cheguei. O tempo passado é um agora cheio de séculos. 

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Mundo mundo vasto mundo

A minha existência equivale um segundo na história, não é nada. Mas, mesmo assim, o risco de inventar e de  expressar a própria opinião é muito grande, é impressionante como a gente ainda precisa de esteriótipos para embasar a nossa visão das coisas. Isso é feio gente! Minha gente... 

Mas vamos lá, isso aqui não é uma crônica, nem nada. É só um texto esparso, não tem argumentos e nem nada, é só uma necessidade absurda de colocar o que eu penso. Eu acho que precisamos sim nos preocupar com o mundo, pensar sobre política, arte e cultura. Podemos até não se filiar a partido ou uma ceita religiosa, mas vivemos em sociedade, o mundo não vai mudar (mesmo!) se todos cruzarem o braço e esperar milagres acontecerem. Não funciona assim, para se criar qualquer coisa, inclusive uma nova maneira de viver e existir, é necessário a conjugação das leis da natureza ou da força de outros homens, ou melhor (usando uma expressão que aprendi no teatro), tem momentos que precisamos ser a escada do outro.

Reconhecer que tem gente com mais tempo e tradição que você não é nenhum demérito. Pelo contrário, é uma conjugação de forças. O homem só foi para a lua, quando percebeu que existia uma lei da gravidade e utilizou-a a seu favor; senão, não ia para lua. Simples assim. É também parte do universo, a aprendizagem de ceder e reconhecer no outro algo que, muitas vezes, não existe em você ainda.

Eu falei isso. Pra dizer duas coisas: 1ª) Parem de reclamar de tudo, a política não vai melhorar assim, aprendam como funciona o mecanismo das coisas para propor mudanças (seja humilde mano!); 2ª) Se não gostam das coisas que estão vendo hoje no mundo, criam um outro mundo (como? Isso é problema seu!). O mundo é muito vasto, tem gente que está nele faz muito tempo, eu SUGIRO que, a melhor forma de propor mudanças, é reconhecer essas pessoas que já conhecem o mecanismo das coisas um tempo maior que muitos jovenzinhos como nós, vamos ser humildes! E aprender com esse povo. 


terça-feira, 4 de setembro de 2012

Dores de corno (ou mesmo esfomeados anônimos)


- então, ele não ligou?
- ligou na segunda, mas sumiu
- vocês não estão mais?
- sei lá, acho que a gente nunca teve mais. Caso é caso, vai e volta
- Você não vai ligar pra ele?
- não, ele não retorna meus telefonemas
Elas param de falar. Olham um velhinho atravessando a rua. De repente, próximo ao pé direito da segunda mulher, cai no chão o pirulito , o olho da primeira mulher fica babando.
- Ah!!Meu pirulito...
- come assim mesmo
- vou tentar
Passa um cachorro. O animal come os restos do doce. As duas ficam sem movimento. Aquela que perdeu o pirulito fica sem ação, até perceber o último pedaço de chocolate da outra.
- posso comer esse chocolate (tira da mão da outra sem o pedido de favor)
- po...
A outra mulher fica com os beiços lacrimejando de dores. As duas mulheres sentem uma necessidade quase sobre-humana de assassinar uma a outra. Por causa das convenções sociais, fingem não sentir nada. Nem saudade do gosto dos doces, nem vontade de matar uma pessoa.  

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Sobre o mundo de ruínas e a pobreza de experiências

Esse texto é de 1933, após a crise econômica de 1929 e da esperança próxima da Segunda Guerra Mundial. No primeiro momento, existe uma ilustração de uma história entre pai e filhos. O pai conta aos filhos que, ao cavar a terra, eles encontrariam um tesouro perdido. Os filhos cavaram e não encontraram nenhum tesouro. Entretanto, com a chegada do Outono, as vinhas produziam mais que em qualquer região. O pai queria comunicar uma experiência aos filhos: a felicidade não está no ouro, está no trabalho. A experiência era comunicada de pai para filho, atravessando gerações; ou era feita a comunicação de uma maneira benevolente, ou, o contrário, a comunicação era ameaçadora. BENJAMIN, 1994, p. 114, questiona: “Que foi feito de tudo isso? Quem encontra ainda pessoas que saibam contar histórias como elas devem ser contadas [...] Quem tentará, sequer, lidar com a juventude invocando sua experiência?”.
O que aconteceu que as experiências ficaram incomunicáveis? As experiências ficaram pobres. A geração que viveu e experimentou as experiências terríveis da história entre 1914 e 1918. Estavam incomunicáveis. Muitos combatentes voltaram do campo de batalha ainda mais silenciosos. Ficaram mais pobres de experiências, e não mais ricos. Nos dez anos seguintes, o mercado literário ficou infestado de livros sobre a experiência da guerra; nos livros não continham experiências orais, não havia autenticidade nos relatos. “O fenômeno não é estranho. Porque nunca houve experiências mais radicalmente desmoralizadas que a experiência estratégica pela guerra de trincheiras, a experiência econômica pela inflação, a experiência do corpo pela fome, a experiência moral pelos governantes” [BENJAMIN,1994,p.115].
O desenvolvimento da técnica sobrepunha-se ao homem. A aceleração e o excesso de novas concepções de mundo e ideias não modificaram o homem e também as relações sociais (por exemplo, a gnose, o vegetarianismo, o espiritualismo e a renovação da astrologia e a ioga), na realidade, - passando a expressão para uma construção coloquial, - era como “tapar o sol com a peneira”. Mascaravam as reais necessidades da sociedade, escondendo a miséria, enquanto os burgueses festejavam carnavais. A experiência era separada da vida dos homens, aos poucos, perdia-se a capacidade de contar histórias e dar conselhos para novas gerações. A esperança mais próxima, baseando a vida nisso, era de um Renascimento de ruínas. O rosto, desenhado por essa modernidade, era parecido com um mendigo medieval, bem calado, mudo. BENJAMIN (1994) reafirma centenas de vezes que a experiência e a arte de contar histórias foram subtraídas da vida dos homens, sendo uma forma de honradez confessar a nossa pobreza. As experiências pobres não são mais individuais, porque atingem toda a humanidade. Surge, então, um novo conceito de barbárie.
“Barbárie (do gr. Barbaros: estrangeiro, não civilizado): Para os gregos e os romanos, estado de quem é estrangeiro e não civilizado. Posteriormente, para os cristãos, estado dos não evangelizados. Daí a ideia errônea de uma ‘civilização ocidental’ superior e diferente da barbárie (outras civilizações): ‘Barbárie é o poder sem liberdade nem lei’ [KANT]. Toda civilização pratica atos de barbárie, constituindo verdadeiramente atentados aos direitos fundamentais da pessoa humana: crime nazista, torturas etc. Neste sentido, toda violência pode ser considerada um ato de barbárie” (conceito retirado no Dicionário Básico de Filosofia, de Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, ano 2006. Rio de Janeiro: Editora Zahar).
Walter Benjamin (1994) opõe-se a ideia de experiência tradicional. O homem é criador da história, podendo criar outras experiências, inclusive na barbárie. O bárbaro, segundo esse conceito positivo, é impelido a contentar-se com pouco, a construir com poucos meios e a começar de novo. “Entre os grandes criadores sempre existiram homens implacáveis que operaram a partir de uma tabula rasa. Queria uma prancheta foram construtores. A essa estirpe pertenceu Descartes, que baseou sua filosofia numa única certeza – penso, logo existo – e dela partiu” [BENJAMIN, 1994, p.116]. Uma das características dessas cabeças é a desilusão radical com o século atual e ao mesmo tempo uma total fidelidade a ele. “Pouco importa se é o poeta Bert Brecht afirmando que o comunismo não é a repartição mais justa da riqueza, mas da pobreza” [BENJAMIN,1994,p.116]. Assim, tem-se a necessidade emergente de criar uma nova linguagem e um novo homem. Algo que pertença das ruínas e faça delas também criação, quer seja o uso de uma linguagem aludindo nomes temporais como Outubro indicado uma alusão à Revolução Russa, quer seja uma confissão aos outros todas as experiências miseráveis que viveram na juventude. Mas a militância vem na criação de um homem diferente do herói aristotélico e aristocrático, ou mesmo, do homem burguês e capitalista que criou toda a barbárie (o conceito negativo do mesmo) e tenacidade com relação ao mundo. Portanto, para a possibilidade do novo emergir, a radicalização da barbárie se faz necessária, já que existem ruínas por toda parte. O homem fará parte delas e criará a partir disso. Todos serão estrangeiros de sua própria humanidade, são todos bárbaros.
Assim, será feita uma cultura de vidro. O vidro é um material inimigo do mistério e da propriedade. “Se entrarmos num quarto burguês dos anos 1880, apesar de todo o ‘aconchego’ que ele irradia, talvez a impressão mais forte que ele produz se exprima na frase: ‘ Não tens nada a fazer aqui’”(BENJAMIN, 1994, p.117). A casa de vidro não tem espaço para intimidade e não pode haver vestígio nenhum de uma aura humana por ali. Mesmo quando alguém quebre um copo, a emoção é fingida e, ao mesmo tempo, o medo de deixar vestígios de humanos ali é iminente. Se tiver – o autor W. Benjamin(1994) usa essa frase de Brecht - : “apaguem os rastros!”. Subtraí essa possibilidade de vida na terra. É preciso criar espaços onde não é possível deixar vestígios.
BENJAMIN(1994) esclarece que os homens para ser fiel ao seu século, deve confessar que vive uma experiência de ruínas. Isso não significa que aspiram a viver novas experiências, aspiram a vivenciar e ostentar abertamente suas misérias intelectuais, morais e materiais. Muitas vezes, pode-se afirmar o oposto: “eles ‘devoraram’ tudo, a ‘cultura’ e os ‘homens, e ficaram saciados e exaustos” (idem, p.117). Tudo porque não concentraram a invenção num plano simples e não quiseram investir no pouco e nessas ruínas. O sonho ficou doente, pois a sociedade investe todas as suas energias e forças em cima dele, compensando assim o desânimo no final do dia. A humanidade sonha viver numa existência que zomba todo o progresso tecnológico e também produz milagres, ultrapassando a própria natureza. “A existência do camundongo Mickey é um desses sonhos do homem contemporâneo [...] Pois o mais extraordinário neles é que todos, sem qualquer improvisamento, saem do corpo do camundongo Mickey, dos seus aliados e perseguidores, dos móveis cotidianos, das árvores, nuvens e lagos” (idem, p.118).
Portanto, segundo o autor, para criar e inventar, os homens precisam ser solidários com aqueles que renunciaram tudo. Construir edifícios de novo a partir das sobras de grandes impérios e com poucos meios. BENJAMIN (1994) relata sobre a crise econômica de 1929 próxima da porta, perto dela, a única e tenebrosa esperança, a Segunda Guerra mundial. A humanidade prepara-se para sobreviver a cultura. (E pensar que, diante a esse fatos, muitos que completam duas décadas de existência hoje e preparam-se para vivenciar uma vida de adulto, são frutos dessas relações sociais. Somos filhos dos sobreviventes da cultura, também pertencemos a ruínas). 



Referência Bibliográfica:
BENJAMIN, Walter. “Experiência e Pobreza” in: Obras escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política; Tradução de Sérgio Paulo Rouanet; prefácio de Jeanne Marie Gragnebin. 7 edição. São Paulo: Brasiliense, 1994, pp. 114-119.