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Na minha infância, uns
vinte anos atrás, me chamavam de pentelha e tagarela, sempre recebi
advertências de professores em casa, dizendo pra minha mãe que eu era terrível,
não parava quieta. Não era muito entendida das palavras, não sabia o que
significava a palavra “tagarela”. Mas a
primeira definição de tagarela que conheci era: “alguém que falava pelos
cotovelos”.
O que covenhamos é
absolutamente estranho. Cotovelos não têm boca. Como andava sempre com os
meninos, (porque não gostava de brincadeiras de meninas, eram muito paradas e
entediantes). As minhas professoras
sempre chamavam a minha atenção:
- ei menina, fica
quieta...
Sempre chamavam a minha
mãe.
- a sua filha não tem
jeito, é uma pentelhinha!
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- Pipa, você sabe o que
significa inefável?
- inefável? Ô psora, o
que é inefável?
- é algo que não se pode
dizer
- ué, então diz,
Manias de coisas
proibidas! Fiquei querendo saber o que não se podia dizer do Inefável, mas a
professora me olhou com um rosto medonho e fui levada para Diretoria. Em casa,
tinha uma advertência bem grande: “A sua filha precisa aprender a se comportar
e não fazer mais perguntas indecentes!” .
- que pergunta indecente
você fez, Pipa?
- eu perguntei o que era
inefável?
- filha que palavra é
essa?
- então... a professora
falou que não se pode dizer, então eu disse, ué então diz. Mamãe, a minha
curiosidade aumenta quando as coisas não se podem dizer. Mãe, o que não pode
dizer do inefável?
- filha, vai pro quarto!
- por que?
- você é muito
perguntadeira!
3
Perguntadeira é sinônimo
de tagarela? Afinal de contas, o que não se pode dizer do Inefável? E se for
uma daquelas coisas de adulto, gente grande sabe! Os adultos são cheio dessas
pilhas, tudo para eles é dicotômico ou, muito mesmo, generalizante. Por
exemplo, a minha mãe vive falando pra mim que os homens são todos cafajestes.
Se eles não são, vão ser um dia. Adultos!
Afinal, não se pode falar
do inefável, porque ele é feio. Tipo, o monstro do lago. O que há de estranho
nessas palavras? Puxa, uma palavra tão bonita esconde uma coisa feia, igual o
lago da minha casa! ( Eu preciso fazer uma pausa para explicar o monstro do
lago. Na frente da minha casa, tem um lago bonito que a gente sempre brinca
nele, um dia era quase noite, a minha tia tentou tirar a gente lá ( eu e a
turminha!). Então, ninguém quis sair, até que ela nos convenceu que, a partir
das sete horas, o monstro do lago ficava lá para comer criancinhas. É
engraçado! Que depois mais tarde. Eu tinha dezoito já, fui tomar banho lá e não
encontrei nenhum monstro do lago, já tinha passado das sete). Quanto ao inefável, acho que não dormi a
noite, pensando nessa palavra, pensei procurar ela no dicionário. Mudei
rapidamente de ideia. Uma palavra tão bonita não deveria estar nos dicionários,
já que é feia para os adultos – porque grande parte deles não têm imaginação, -
não será feia pra mim. Quando se tem uma
fôrma de bolo, a gente pode preencher com recheio que quiser, minha madrinha
vivia falando isso. No vazio, sempre aparece o novo, é só não ter medo do erro. Nessa idade, a gente
aprende algumas coisas. As perguntas nunca são inteiramente respondidas pelos
homens grandes.
4
Com dezesseis anos, li um
livro de Bruna Landim, “Do verbo ser irregular”, que explicava o termo “Tagarela”. A autora citava um trecho de Dostoievski ( esses malditos russos!) , do
conto “O subsolo”, que trazia um narrador que dissertava sobre todos nós com teor negativo: “Não passo pois de
um tagarela, de um tagarela inofensivo, de um impertinente como todos nós. Mas
que fazer senhores, se o destino de todo homem inteligente é tagarelar, isto é,
derramar água numa peneira”.
Bruna Landim disse que,
uma vez, percebeu a diferença entre gostar de um cara e não gostar. Gostava de
um rapazinho, quando sentia vontade de conversar; não gostava do cara, quando
sentia repentinamente o mutismo no seu coração. Ficava absolutamente fria, não
emitia sequer um espirro. Desse jeito,
entendeu tudo que tinha que entender sobre linguagem, sendo tagarela quando
criança e, absolutamente, muda e séria com alguns rapazes na juventude. Eu cito
um trecho do romance dela: “A tagarelice é o uso da forma. O papeador sempre
diz experiências em suas histórias, mesmo que elas sejam mentiras. Muitas vezes,
o papeador é confudido com o tagarela. Mas quem não consegue notar a diferença
disso, não consegue aproveitar a graça da poesia cotidiana. Existem tagarelas
que não pronunciam sequer um espirro de resfriado”.
Eu entendi tudo, lendo
essa definição. Desde criança, eu era uma poetisa, a tagarelice escondia o
mundo no meu coração. Era minha forma primitiva de lidar com a linguagem. Ser
tagarela era uma maneira de lidar com o som, espontaneamente lidava com lado
lúdico das palavras, não contava experiências, porque elas sempre nasciam com uma aparência surrealista. Coisas de
crianças! Se a gente continuasse com essa cabeça, com tanto despudor, o Picasso
ficaria de cabeça em pé.