domingo, 4 de novembro de 2012

Sobre Avenida Brasil


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Por causa da febre dessa novela, pensei e repensei muito se eu escreveria um texto, falando sobre ela. Na internet, vi resenhas criticando-a, como opiniões também elogiando. Uma crítica que me chamou a atenção (que gostei bastante), explicava onde se encontrava os aspectos machistas da novela, vou deixar nas referências abaixo[1]. Entretanto, acho que não vou fazer exatamente uma crítica, queria pensar essa novela. Por que houve tanta identificação popular? A novela conseguiu tanta audiência igual aos tempos de outra também conhecida Vale Tudo, como isso aconteceu? Me pergunto: será que houve uma mudança de estrutura dramatúrgica nas novelas para chamar atenção do público?
É até meio óbvio! Expor que as novelas possuem argumentos parecidos. Todas maniqueísta, o bem contra o mal, o mocinho sempre de olhos azuis, rico, arranjado uma experiência amorosa indo em direção ao sucesso. Mas, antes, é preciso lutar contra todos os obstáculos, o principal, na maioria dos casos, é o dinheiro. Mantendo o status quo intacto. Essa estrutura é mais antiga que a televisão, conhecida na literatura como estrutura de folhetim. José de Alencar poderia ser considerado o vovô das teledramaturgias. Aristóteles é o tataravô dessa estrutura. Ao contrário da teledramaturgia, José de Alencar e Aristóteles são cânones, dignos de serem estudados na academia; o inverso significa alienação, ignorância e etc. Enfim, não dá para negar que as pessoas se identificaram com essa novela, por isso, no meu entender, não posso fechar os olhos pra isso.
 Em Vale Tudo, surgiu o mistério mais famoso da televisão brasileira. Até quem não viu, conhece. A pergunta “Quem matou” nunca fez tanto sucesso do que nos tempos entre 1988 e 1989. Afinal, “quem matou Odete Roitman?”, uma personagem absolutamente preconceituosa, mesquinha e morta no final das contas por alguém que pouco se podia esperar.  É engraçado como essa tática está presente até os dias de hoje, quando há o famoso assassinato do final de novela, todos pensam quase de maneira previsível: “é alguém que não tem nada ver, sempre é assim, alguém que a gente não imagina”. Dito feito, na novela Avenida Brasil, seguindo a famosa estrutura de assassinato de final de novela, terminou com alguém que tinha tudo haver. E todos no meio da rua: “ não , não, vai ser alguém que nada tem haver com a história”. Essa é a maior prova de como “Vale Tudo” entrou no imaginário das pessoas, inclusive em termos de estruturação.


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A atriz Beatriz de Toledo Segall que interpretou a famosa vilã Odete Roitman. Em uma entrevista, disse que essa novela foi tão importante para o Brasil, auxiliando inclusive no impeachment do Fernando Collor[2]. Enfim, não vou esquecer jamais a maravilhosa interpretação de Renata Sorrah, que fazia a filha de Odete Roitman, a Helena Roitman. Quem não viu, vale a pena ver mesmo! Procure no youtube.  Aliás, sou uma certa fã incontestável dela, desde Nazaré, de “Senhora do Destino”, que era ela a novela toda, afinal o toque de humor estava na vilã.  
O que vamos falar, agora, exatamente sobre isso. Adriana Esteves fez a Nazaré jovem, Renata Sorrah a segunda fase. Esse toque de humor, de certa forma, acompanha as vilãs nas novelas brasileiras, não sei precisar quando foi o início, mas em Odete Roitman acontece isso também. Então, de certa maneira, a Carminha demonstrar alguns momentos de humor não foi exatamente uma grande mudança. A Nazaré era mil vezes mais engraçada.
No entanto, entre Nazaré e Carminha, na segunda personagem existe uma mudança de tratamento aos vilões.  O que tem mudado nas estruturações das novelas e me chamado a atenção foi isso. Não foi só com a Avenida Brasil, em Passione e A Favorita também aconteceram essa mudança. A mudança é enfraquecer um dos elementos primordiais de estruturas folhetinescas: o maniqueísmo feroz.   
As novelas são conhecidas com um argumento clássico. Uma dicotomia absolutamente clara: a personagem má versus a personagem boazinha. Dependendo do enredo, essas variações de caráter podem mudar, não necessariamente depende da classe social, não é sempre a boa, pobre, e a má, rica. Isso depende do que a novela discute, isto é, o tema. E, principalmente, o ponto de vista.  Por isso, a classe social varia, mas não vou negar que, em todos os casos, a novela transmite um ponto de vista conservador. É preciso lembrar quem é que produz essa cultura, qual é o modo de produção.


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Em Passione, relembremos a vilã Clara. Mulher sensual, um rosto de anjo que seduziu um italiano e enganou toda família dele. Entretanto, ela tinha a sua irmã, que protegia e amava, sendo capaz de fazer até coisas boas. Era a irmã dela que trazia algumas características mais humanas para Clara (atriz Mariana Ximenes). Teve um momento que o público até acreditou na mudança de Clara, mas no final isso foi invertido. A vilã mostrava qual era o seu verdadeiro lado, ela era uma vigarista, só amava e respeitava a irmã. Isso balançou um pouco a estrutura da novela, o maniqueísmo foi posto em dúvida ou, pelo menos, em cheque. Os vilões, no final, eram inimigos, Clara e Fred (ator Reynaldo Gianecchini) desconfiavam um do outro, destruíam os planos um do outro.
Em A Favorita, é importante lembrar que o mesmo autor dessa novela escreveu também Avenida Brasil, a estrutura do famoso assassinato de final de novela foi prolongada, a dúvida foi logo posta no começo. O público defendeu a vilã (Flora), depois a mocinha (Donatela). Patrícia Pilar e Claudia Raia interpretaram essa disputa que enfraquecera muito o maniqueísmo feroz.


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 Avenida Brasil imitou o mesmo mecanismo que A Favorita, os vilões tornaram heróis, esses se mostraram ainda mais perversos e frios do que os vilões. Nina/Rita e Carminha vivenciaram as mesmas coisas, também vieram do lixo, escondem de toda a família Tufão muitas coisas do passado. Toda a ação dramática acontece por causa do passado, o presente obriga desenterrar as coisas que estão no passado para Nina e, ao final da novela, para Carminha no intuito de desvendar toda a verdade. No final, Carminha muda completamente a sua postura com relação a sua conduta na vida, enfrentando e matando o seu pai. Daria um bom Édipo Rei, afinal a personagem trágica dessa história não foi a Nina, ela teve a chance de vivenciar um final feliz, mas a heroína edipiana foi a Carminha.
Carminha matou o pai, matou o homem que amava, foi exilada de sua casa e terminou onde começou a sua infância no lixão. Antes, propiciou uma vida mentiras e de hipocrisias sociais vivendo na família Tufão.  A mãe Tufão, entre todos da família, era a que mais defendia a esposa do Tufão, católica, bem comportada e dissimulada; desse ângulo, a ex-faxineira era a mais hipócrita, pois propagava e determinava mais as vivências de convenções sociais hipócritas, ao mesmo tempo, que também mentia e enganava em nome do prazer sexual.
O argumento entre protagonista e antagonista propiciava uma relação entre Rita e Carminha de amor e ódio. O público no início da novela teve tanto ódio da Carminha de bater em criança e etc, que desejava a morte da vilã. No final da novela, esse ódio foi transferido para Nina, pois ela nunca tinha coragem de denunciar a inimiga, enrolava e se perdia no meio do caminho. Entre todas as personagens, era Nina/Rita quem conhecia mais a Carminha, mas tinha uma mistura de medo e respeito, no final da novela isso ficou mais claro com a cena do lixão e o almoço entre elas. Ambas tinham ódio e respeito.


Conclusão

Esse enfraquecimento do maniqueísmo pode significar uma mudança de estruturação das novelas brasileira. Uma nova maneira de ideologias políticas conservadoras entrarem na vida do cotidiano, isso se continuar mexendo com elas, trazendo elementos narrativos que são da modernidade literária. De brincar com o jogo entre protagonistas e antagonistas. Isso pode ser, por um lado, interessante de notar, afinal talvez o público estivesse cansado do argumento manjado e clássico. Ao mesmo tempo, esse elemento sedutor pode significar novas formas de explicar o status quo e mantê-lo assim sem luta e sem crítica. O que pode ser muito preocupante. Como diz um livro de Ventura (1968 o ano que não terminou), mas em outro contexto: a direita tá sendo mais dialética que a esquerda!.

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