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Por causa da
febre dessa novela, pensei e repensei muito se eu escreveria um texto, falando
sobre ela. Na internet, vi resenhas criticando-a, como opiniões também elogiando.
Uma crítica que me chamou a atenção (que gostei bastante), explicava onde se
encontrava os aspectos machistas da novela, vou deixar nas referências abaixo[1].
Entretanto, acho que não vou fazer exatamente uma crítica, queria pensar essa
novela. Por que houve tanta identificação popular? A novela conseguiu tanta
audiência igual aos tempos de outra também conhecida Vale Tudo, como isso aconteceu?
Me pergunto: será que houve uma mudança de estrutura dramatúrgica nas novelas
para chamar atenção do público?
É até meio óbvio!
Expor que as novelas possuem argumentos parecidos. Todas maniqueísta, o bem
contra o mal, o mocinho sempre de olhos azuis, rico, arranjado uma experiência
amorosa indo em direção ao sucesso. Mas, antes, é preciso lutar contra todos os
obstáculos, o principal, na maioria dos casos, é o dinheiro. Mantendo o status quo intacto. Essa estrutura é
mais antiga que a televisão, conhecida na literatura como estrutura de
folhetim. José de Alencar poderia ser considerado o vovô das teledramaturgias.
Aristóteles é o tataravô dessa estrutura. Ao contrário da teledramaturgia, José
de Alencar e Aristóteles são cânones, dignos de serem estudados na academia; o
inverso significa alienação, ignorância e etc. Enfim, não dá para negar que as
pessoas se identificaram com essa novela, por isso, no meu entender, não posso
fechar os olhos pra isso.
Em Vale
Tudo, surgiu o mistério mais famoso da televisão brasileira. Até quem não
viu, conhece. A pergunta “Quem matou” nunca fez tanto sucesso do que nos
tempos entre 1988 e 1989. Afinal, “quem matou Odete Roitman?”, uma personagem
absolutamente preconceituosa, mesquinha e morta no final das contas por alguém
que pouco se podia esperar. É engraçado
como essa tática está presente até os dias de hoje, quando há o famoso
assassinato do final de novela, todos pensam quase de maneira previsível: “é
alguém que não tem nada ver, sempre é assim, alguém que a gente não imagina”.
Dito feito, na novela Avenida Brasil, seguindo a famosa estrutura de
assassinato de final de novela, terminou com alguém que tinha tudo haver. E
todos no meio da rua: “ não , não, vai ser alguém que nada tem haver com a
história”. Essa é a maior prova de como “Vale Tudo” entrou no imaginário das
pessoas, inclusive em termos de estruturação.
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A atriz Beatriz
de Toledo Segall que interpretou a famosa vilã Odete Roitman. Em uma
entrevista, disse que essa novela foi tão importante para o Brasil, auxiliando
inclusive no impeachment do Fernando Collor[2].
Enfim, não vou esquecer jamais a maravilhosa interpretação de Renata Sorrah,
que fazia a filha de Odete Roitman, a Helena Roitman. Quem não viu, vale a pena
ver mesmo! Procure no youtube. Aliás,
sou uma certa fã incontestável dela, desde Nazaré, de “Senhora do Destino”, que
era ela a novela toda, afinal o toque de humor estava na vilã.
O que vamos falar,
agora, exatamente sobre isso. Adriana Esteves fez a Nazaré jovem, Renata Sorrah
a segunda fase. Esse toque de humor, de certa forma, acompanha as vilãs nas
novelas brasileiras, não sei precisar quando foi o início, mas em Odete Roitman
acontece isso também. Então, de certa maneira, a Carminha demonstrar alguns
momentos de humor não foi exatamente uma grande mudança. A Nazaré era mil vezes
mais engraçada.
No entanto,
entre Nazaré e Carminha, na segunda personagem existe uma mudança de tratamento
aos vilões. O que tem mudado nas
estruturações das novelas e me chamado a atenção foi isso. Não foi só com a
Avenida Brasil, em Passione e A Favorita também aconteceram essa mudança. A mudança
é enfraquecer um dos elementos primordiais de estruturas folhetinescas: o
maniqueísmo feroz.
As novelas são
conhecidas com um argumento clássico. Uma dicotomia absolutamente clara: a
personagem má versus a personagem boazinha. Dependendo do enredo, essas
variações de caráter podem mudar, não necessariamente depende da classe social,
não é sempre a boa, pobre, e a má, rica. Isso depende do que a novela discute,
isto é, o tema. E, principalmente, o ponto de vista. Por isso, a classe social varia, mas não vou negar
que, em todos os casos, a novela transmite um ponto de vista conservador. É
preciso lembrar quem é que produz essa cultura, qual é o modo de produção.
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Em Passione, relembremos a vilã Clara.
Mulher sensual, um rosto de anjo que seduziu um italiano e enganou toda família
dele. Entretanto, ela tinha a sua irmã, que protegia e amava, sendo capaz de
fazer até coisas boas. Era a irmã dela que trazia algumas características mais
humanas para Clara (atriz Mariana Ximenes). Teve um momento que o público até
acreditou na mudança de Clara, mas no final isso foi invertido. A vilã mostrava
qual era o seu verdadeiro lado, ela era uma vigarista, só amava e respeitava a
irmã. Isso balançou um pouco a estrutura da novela, o maniqueísmo foi posto em
dúvida ou, pelo menos, em cheque. Os vilões, no final, eram inimigos, Clara e
Fred (ator Reynaldo Gianecchini) desconfiavam um do outro, destruíam os planos um do
outro.
Em A Favorita, é importante lembrar que o
mesmo autor dessa novela escreveu também Avenida
Brasil, a estrutura do famoso assassinato de final de novela foi
prolongada, a dúvida foi logo posta no começo. O público defendeu a vilã
(Flora), depois a mocinha (Donatela). Patrícia Pilar e Claudia Raia
interpretaram essa disputa que enfraquecera muito o maniqueísmo feroz.
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Avenida Brasil imitou o mesmo mecanismo
que A Favorita, os vilões tornaram
heróis, esses se mostraram ainda mais perversos e frios do que os vilões. Nina/Rita
e Carminha vivenciaram as mesmas coisas, também vieram do lixo, escondem de
toda a família Tufão muitas coisas do passado. Toda a ação dramática acontece
por causa do passado, o presente obriga desenterrar as coisas que estão no
passado para Nina e, ao final da novela, para Carminha no intuito de desvendar
toda a verdade. No final, Carminha muda completamente a sua postura com relação
a sua conduta na vida, enfrentando e matando o seu pai. Daria um bom Édipo Rei,
afinal a personagem trágica dessa história não foi a Nina, ela teve a chance de
vivenciar um final feliz, mas a heroína edipiana foi a Carminha.
Carminha matou
o pai, matou o homem que amava, foi exilada de sua casa e terminou onde começou
a sua infância no lixão. Antes, propiciou uma vida mentiras e de hipocrisias sociais
vivendo na família Tufão. A mãe Tufão,
entre todos da família, era a que mais defendia a esposa do Tufão, católica,
bem comportada e dissimulada; desse ângulo, a ex-faxineira era a mais hipócrita,
pois propagava e determinava mais as vivências de convenções sociais hipócritas,
ao mesmo tempo, que também mentia e enganava em nome do prazer sexual.
O argumento
entre protagonista e antagonista propiciava uma relação entre Rita e Carminha
de amor e ódio. O público no início da novela teve tanto ódio da Carminha de
bater em criança e etc, que desejava a morte da vilã. No final da novela, esse
ódio foi transferido para Nina, pois ela nunca tinha coragem de denunciar a
inimiga, enrolava e se perdia no meio do caminho. Entre todas as personagens,
era Nina/Rita quem conhecia mais a Carminha, mas tinha uma mistura de medo e
respeito, no final da novela isso ficou mais claro com a cena do lixão e o
almoço entre elas. Ambas tinham ódio e respeito.
Conclusão
Esse
enfraquecimento do maniqueísmo pode significar uma mudança de estruturação das
novelas brasileira. Uma nova maneira de ideologias políticas conservadoras
entrarem na vida do cotidiano, isso se continuar mexendo com elas, trazendo
elementos narrativos que são da modernidade literária. De brincar com o jogo
entre protagonistas e antagonistas. Isso pode ser, por um lado, interessante de
notar, afinal talvez o público estivesse cansado do argumento manjado e
clássico. Ao mesmo tempo, esse elemento sedutor pode significar novas formas de
explicar o status quo e mantê-lo assim sem luta e sem crítica. O que pode ser
muito preocupante. Como diz um livro de Ventura (1968 o ano que não terminou), mas em outro contexto: a direita tá
sendo mais dialética que a esquerda!.
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