sexta-feira, 9 de novembro de 2012

O monstro de olhos vermelhos


 1
   
Escadas largas, grandes. O céu noturno gritando socorro por sua falta de estrelas. Um homem sozinho no meio do caminho bebe uma latinha de cerveja. Os olhos vermelhos vigiam o lugar, o cachorro late para um ratinho que na fuga tropeça numa lata de cerveja.  Cão come o ratinho fugitivo, o sangue se mistura com os olhos vermelhos. Olhos que fixam na figura do homem.


Dois minutos atrás, o bêbado jogou a lata de cerveja, não notou a vida que acontecia ao seu redor. Cantarolava uma canção inventada. Ele, chamado pelos amigos de Wilson, olhava para os dois bolsos da calça. Uma calça verde, o bolso direito furado, o esquerdo guardando uma pilha de papéis inúteis.  Um desses papéis era uma carta de sua ex-esposa:


“ Fui embora. Arrumei a minha mala, vou morar em Espírito Santo, levei embora comigo a Cris. Pelo bem dela e nosso, não nos procure, estamos bem.
Assinado,
Ann “


Wilson casara com Ann em 1989. Ele tinha uns vinte e dois. Ambos tinham se conhecido no Rio, era um show de rock de uma banda norte-americana. Foi um acaso que se apaixonaram, outro acaso que se traíram, mais um infeliz acaso que se separaram. Os olhos vermelhos do cachorro lamentavam  a falta de água fresca, o animal uivava para lua. O homem chorava sozinho na noite escura. Rasgava a carta da Ann,  ele pensava, a caligrafia de Ann sempre foi caprichosa, ela sempre foi uma mulher bonita, mesmo agora já envelhecendo, continuava bonita.

2

Uma tropa de policiais fazia ronda próximo de uma favela. Tinham trocado tiros com uma malta de bandidos, entraram em um beco. Escutaram um estrondo, ouviram um som qualquer. Confundiram com bala de revólver. Atiraram pra matar.

Polícia 1: Existe uma ordem dos homem lá de cima, a gente respeita
Cachorro: au au
Polícia 5: os meleque estão escondido
Cachorro: au au au aua au

A polícia 6 atira no cachorro para matar, o cão foge de medo. Os olhos vermelhos brilham debaixo de um monte de lixo.  Os policiais não encontram nada no lugar. Há uma trilha de sangue que inicia nas escadas e termina na lata de cerveja, misturada com o ratinho que morreu pelo monstro dos olhos vermelhos. Um inocente desarmado morre sem o término da história, outro caso interrompido. 

3

O monstro dos olhos vermelhos sai do esconderijo. Naquele lugar ermo, existem dois corpos.  O cachorro faz o trabalho do perito, fareja os dois corpos, o animal encontra os resíduos da carta de Wilson, uma memória da tristeza, daquele cidadão anônimo, é vigiada pelos olhos vermelhos como se fosse alimento.  

A vida do cidadão anônimo, para os olhos vermelhos, pode significar nada. Na guerra escondida, entre ratos e cachorros, Wilson foi uma vítima invisível. É provável que nem a família dele saiba do acontecido. Tudo bem. O cão terá mais carne para comer a noite. Wilson morreu de sorte e de tristeza, todos os lugares são ótimos para suicídios involuntários e desistências cabais. A morte de um cidadão anônimo interfere nos homens de bem igual ao um rato, é mais fácil sofrer por um bichinho morto do que brigar com monstros de olhos vermelhos. 

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