quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Aventuras de palavras

Não sabe que é engraçado saber que as palavras por si nada significam. A palavra “mesa”, por exemplo, o que ela é? Absolutamente nada. Ela não tem nenhum sentido de existir, porque é solta, é muda, é apenas um som, (e nesse caso, “mesa” é só um símbolo gráfico no computador).


A palavra-nome que nascem chamados, Renata, Carlos e Maria, o que é? Vocês?Ô Renata, por acaso você realmente é Renata? Mas, Carlos, pense, quantos Carlos existem no mundo? Vai me responder: quinhentos. Então, como é possível você ser Carlos, como existir um predicado que nem foi escolhido por você e que te intitula como Carlos, Maria ou Renata.  A palavra-nome não nos traduz, talvez o pronome "eu" e o verbo ser, que é irregular em todas as línguas, chegam próximo disso de sermos nós. Sabe o que é mais engraçado. É que o verbo "ser" irregular e o pronome "eu" são totalmente metamorfosseados, nunca se estatizam e ficam inacabados.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Poema curto

Mudo Curto- Circuito
Tudo
Circuito-Curto
Mudo Tudo no Curto-Circuito

Minto
O Mito
O milho quente que não secou
Minto
O milho frio que o homem molhou
Mito
O homem é o milho que já cozinhou

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Do Amor

Evito falar do amor intelectual, do amor ideal, do amor civilizante e do amor carnalizante; evito dizer coisas, ao vento, dos objetos amados, respectivamente, os que me corresponderam e os que não me corresponderam. Não gosto nenhum pouco da ideia de amar porque é preciso, ou porque uma pessoa me faz falta. E, de vez em quando, eu amo.

Eu tinha amiga chamada Bruna que queria muito escrever sonetos de amor, existia nela uma obsessão pela perfeição da forma desse soneto e a mensagem solene, também igualmente bela, que haveria nesse amor de signos a ser transmitida em poesia. A Bruna nunca conseguiu escrever sequer uma palavra, apenas algumas ideias lhe sondaram antes de dormir, mas elas nunca se realizaram verbalmente.

Ela amou esses sonetos, irrealizáveis, como ninguém jamais havia amado. Nada me pareço com a minha amiga poetisa, temos obsessões diferentes. Às vezes, eu me acho um tanto mais ingênua que a Bruna, porque ela pensava com malicia e carinho na forma estética daquele soneto, queria-o perfeito. A poetisa calculava, racionalizava, re-escrevia e tinha raiva das imperfeições rascunhadas daquele primeiro soneto; na realidade, a Bruna queria a glória de concebê-lo inteiramente belo, sublime e sereno.

Não queria mesmo entrar numa conversa intelectual, escrevo sem parar e com bastante raiva. Não quero pensar na coerência do meu pensamento e finalidade desse texto, não queria mesmo entrar nessa conversa de amor intelectual, escrevo porque a carne me exige palavra. O Amor também exige palavras, exige o ódio, exige a cama, o sexo e as noites não dormidas. O Amor me exige muito mais como alguém que não é coisa e que é bicho, é metade gente, metade felino, canino e cavalo. O Amor é a obrigação eterna de sempre saber e nunca saber: se a Sensibilidade é possível, se o Ódio traduz uma mensagem, tão piegas, como eu te amo, se a Loucura é a forma escultural da androginia chamada Amor.

Não queria mesmo entrar numa conversa intelectual. Antes de verbalizarem o Amor, ele já tinha sido carnal, já tinha sido endeusado, já era  respectivamente três: Erô (desejo), Agapô(espiritual) e Philo (amante). Era amor de vinhos vomitados nas mesas e nas gargantas das Bacantes. Não entendo de poesia, não entendo de amor intransitivo, de amor sujo e amor monstruoso, não entendo e nem sei se quero entender desse jeito intelectual. Eu quero o Amor em carne viva, quero cuspir nele e que ele me mostre as suas entranhas, quero amor sem intelectos, só o corpo, só as mãos, só as pernas e sem ideias. A carne viva do amor. A nudez do verbo amar.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Crônica Banal

Na realidade, sempre procurei a invisibilidade da minha voz, estando sozinha no escritório, onde só há eu e o computador. A voz não é sequer o adorno da minha companhia. Barulhos repetitivos, impessoais, como a digitação, o tic-tic da caneta e a barriga roncando, são os meus melhores amigos. Acredito que após a concretização da minha independência financeira, tudo que soa bastante impessoal, inclusive a minha barriga roncando de fome, é o maior motivo da existência ainda continuar se realizando.

Falemos de produtividade. O que é produtividade em um dia? É acordar; trabalhar; ganhar dinheiro; fumar; dormir com meu amante; por último, entretanto, não menos importante, virar de costas e escutar o cansaço de uma noite desgastante, observando o vazio de um quarto impessoal que é o meu. Até fechar os olhos e dormir ainda cansada.

Vivo cansada, acordo cansada e durmo cansada. Nunca consigo descansar e quando fumo um cigarro, além de parecer ser uma melancólica, sinto a minha presente e falsa intelectualidade de filosofar sobre o nada para lugar nenhum. Fingindo ser uma pessoa extremamente interessante, quer falando de Sartre, quer falando de Nietzsche, mas falando. As pessoas cultas sempre falam deles, sigo-as como deuses.

Descrevia o meu dia no escritório, então, só tem eu e o computador. O computador olha para mim o dia inteiro, às vezes não trabalho, invento no twitter algumas frases de efeito, que na realidade não as elaboro, rouba-as mesmo na cara dura. Alguns gostam ( pensando que sou eu a criadora) porque é mais um enfeite de publicação de amostra da nossa cultura aparentemente tão rica. Sou feliz, sempre fui, a minha mediocridade me alegre todos os dias, quando acordo e repito o meu ciclo de mentiras.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O Todo e O Nada

Para Aristóteles,

A obsessão pela categorização
Aquilo nomeio, aquilo vejo
aquilo me esqueço: o todo é nomeado

Nada pode ser denominado,
porque ninguém nasce com nome
Só o Homem que pela loucura do todo
só nomeia o não-nomeado

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O drama do escritor Dr. Markus

Absolutamente. Tá decidido, tá decidido... E não adiantam tentar me convencer, pois não haverá ninguém que vai convencer-me de uma decisão contrária. A partir de hoje, não escreverei nunca mais, tá decidido. Não vou encostar mais a minha mão nesta caneta. Nunca mais! Nem sequer para rabiscar algumas letras nesse caderno. Decididamente não.

Eu não preciso da escrita, na realidade, escrever é mais uma dessas ilusões inventadas pelo Homem. Para inventar os seus universos, o Homem inventou essa exaustiva oficina da escrita. Foi isso sim que aconteceu, agora tudo faz sentido. Finalmente, poderei dormir em paz com os meus sonhos de tornar-me um trabalhador normal, talvez uma casa azul na praia, talvez uma esposa dedicada e alguns filhos. Sim! Uma vida normal.

Acordei, não consegui dormir, fiquei com uma vontade de escrever só um pouquinho. Perdoa-me! São cinco horas da manhã, eu sei, juro que tentei, e não resisti, ela, - a caneta, - estava lá ao lado da minha solitária xícara de café, tão linda, tão doce e misteriosa, dizendo-me: ô meu amor, por que não me vem fazer um carinho, você quer... Euuuuu sei que quer!, e, então, acabei não resistindo. Sei o que pensam sobre mim, acham que sou um fraco, né?! Foi só uma recaída, não vai acontecer de novo. Vão ver, juro por esse Deus que essas pessoas normais acreditam; logo, logo, voltarei a dormir tranquilo.

Cacete! Eu preciso é mesmo de macumba! Eita, alguém purifica a minha alma, isso aqui é um vício que corrói o meu corpo, deve ser coisa do demônio, sai capeta! Não fui trabalhar hoje, disse ao meu chefe que estava doente, sabem por quê? Porque eu precisava escrever. Dessa vez nem foi uma recaída, a caneta que ficou rindo de mim, fazendo piadas, me chamando de fraco. Ora, fui injuriado por ela, no meu lugar (tenho certeza), vocês fariam a mesma coisa. Responderia para caneta da mesma forma que eu: escrevendo. E ela continua ali, rindo de mim, dura, imóvel e dando gargalhadas por causa do meu estado deplorável, tanto físico e psicológico. Os meus cabelos estão bagunçados e a minha barba desde semana passada que não faço. A caneta não tem coração.

... “Que é? Hein? Cê acha mesmo que eu não consigo viver sem você? Eu posso viver muito feliz sim, antes de você, eu vivia normalmente” – gritei assim, colocando moral nela. A caneta nem me respondia, observava os meus passos com tanta indiferença, arrumando as suas tranças e pintando as unhas. Ela pensa que me domina, está enganada. Sou um homem muito equilibrado, eu vou vencer esse jogo. Não vou escrever nunca mais.

Caneta desumana! Tudo bem que eu pareça um louco e o meu apartamento está todo desorganizado, porque a batalha contra esse objeto desumano logo será ganha. Não vou nem olhar para aquela canetinha preta, imóvel, ao lado dessa solitária xícara, nem passa isso pela minha cabeça. Tenho impressão que ela observa o ritmo dos meus passos, - percebem, - a caneta está quietinha assim porque me escuta; a maldita espera uma recaída minha. Pensa que me controla; mas não vai conseguir não, porque eu sou o homem e ela é apenas uma canetinha, um rude objeto de bolso. Não, um objeto insignificante. Não, um objeto sem redundância. Não, não e não! Isso é um objeto torturador. Aí tadinha! Não fala assim Markus pra si mesmo, você sabe que ela não é assim, você está sendo injusto consigo mesmo.


Ela pode machucar o senhor de vez em quando, fazer loucuras nas manhãs e nas noites, só que essas coisas fazem parte da natureza dela. A caneta é linda, um objeto angelical! Ora, quem mandou ela nascer caneta? Vem cá, minha querida, desculpa por te tratar desse jeito... bunitinha! Assim tão mal eu fui, nunca mais serei desse jeito não. Pêra aí, ora ora ora! Ela acha mesmo que eu, Dr. Markus, vou cair nesse jogo sujo, pensa que vai me corromper, - não, não e não! Não escrevo nunca mais.

" São Paulo, 14 de agosto. Sexta-feira. Tá bom, tá bom, não precisam me lembrar, disse que eu nunca mais escreveria. Não consegui. Ela acabou ganhando, afinal, canetas são sempre canetas quando nos envolvemos com elas. Dificilmente, meus amigos, nós escapamos dos encantos dessas canetinhas. Eu tentei, e tenho testemunhas, mas não posso, não consigo escapar. É vício desgraçado, ela não me deixa em paz, atrapalhando a minha vida inteira, não fui nem trabalhar por causa dela."