sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O drama do escritor Dr. Markus

Absolutamente. Tá decidido, tá decidido... E não adiantam tentar me convencer, pois não haverá ninguém que vai convencer-me de uma decisão contrária. A partir de hoje, não escreverei nunca mais, tá decidido. Não vou encostar mais a minha mão nesta caneta. Nunca mais! Nem sequer para rabiscar algumas letras nesse caderno. Decididamente não.

Eu não preciso da escrita, na realidade, escrever é mais uma dessas ilusões inventadas pelo Homem. Para inventar os seus universos, o Homem inventou essa exaustiva oficina da escrita. Foi isso sim que aconteceu, agora tudo faz sentido. Finalmente, poderei dormir em paz com os meus sonhos de tornar-me um trabalhador normal, talvez uma casa azul na praia, talvez uma esposa dedicada e alguns filhos. Sim! Uma vida normal.

Acordei, não consegui dormir, fiquei com uma vontade de escrever só um pouquinho. Perdoa-me! São cinco horas da manhã, eu sei, juro que tentei, e não resisti, ela, - a caneta, - estava lá ao lado da minha solitária xícara de café, tão linda, tão doce e misteriosa, dizendo-me: ô meu amor, por que não me vem fazer um carinho, você quer... Euuuuu sei que quer!, e, então, acabei não resistindo. Sei o que pensam sobre mim, acham que sou um fraco, né?! Foi só uma recaída, não vai acontecer de novo. Vão ver, juro por esse Deus que essas pessoas normais acreditam; logo, logo, voltarei a dormir tranquilo.

Cacete! Eu preciso é mesmo de macumba! Eita, alguém purifica a minha alma, isso aqui é um vício que corrói o meu corpo, deve ser coisa do demônio, sai capeta! Não fui trabalhar hoje, disse ao meu chefe que estava doente, sabem por quê? Porque eu precisava escrever. Dessa vez nem foi uma recaída, a caneta que ficou rindo de mim, fazendo piadas, me chamando de fraco. Ora, fui injuriado por ela, no meu lugar (tenho certeza), vocês fariam a mesma coisa. Responderia para caneta da mesma forma que eu: escrevendo. E ela continua ali, rindo de mim, dura, imóvel e dando gargalhadas por causa do meu estado deplorável, tanto físico e psicológico. Os meus cabelos estão bagunçados e a minha barba desde semana passada que não faço. A caneta não tem coração.

... “Que é? Hein? Cê acha mesmo que eu não consigo viver sem você? Eu posso viver muito feliz sim, antes de você, eu vivia normalmente” – gritei assim, colocando moral nela. A caneta nem me respondia, observava os meus passos com tanta indiferença, arrumando as suas tranças e pintando as unhas. Ela pensa que me domina, está enganada. Sou um homem muito equilibrado, eu vou vencer esse jogo. Não vou escrever nunca mais.

Caneta desumana! Tudo bem que eu pareça um louco e o meu apartamento está todo desorganizado, porque a batalha contra esse objeto desumano logo será ganha. Não vou nem olhar para aquela canetinha preta, imóvel, ao lado dessa solitária xícara, nem passa isso pela minha cabeça. Tenho impressão que ela observa o ritmo dos meus passos, - percebem, - a caneta está quietinha assim porque me escuta; a maldita espera uma recaída minha. Pensa que me controla; mas não vai conseguir não, porque eu sou o homem e ela é apenas uma canetinha, um rude objeto de bolso. Não, um objeto insignificante. Não, um objeto sem redundância. Não, não e não! Isso é um objeto torturador. Aí tadinha! Não fala assim Markus pra si mesmo, você sabe que ela não é assim, você está sendo injusto consigo mesmo.


Ela pode machucar o senhor de vez em quando, fazer loucuras nas manhãs e nas noites, só que essas coisas fazem parte da natureza dela. A caneta é linda, um objeto angelical! Ora, quem mandou ela nascer caneta? Vem cá, minha querida, desculpa por te tratar desse jeito... bunitinha! Assim tão mal eu fui, nunca mais serei desse jeito não. Pêra aí, ora ora ora! Ela acha mesmo que eu, Dr. Markus, vou cair nesse jogo sujo, pensa que vai me corromper, - não, não e não! Não escrevo nunca mais.

" São Paulo, 14 de agosto. Sexta-feira. Tá bom, tá bom, não precisam me lembrar, disse que eu nunca mais escreveria. Não consegui. Ela acabou ganhando, afinal, canetas são sempre canetas quando nos envolvemos com elas. Dificilmente, meus amigos, nós escapamos dos encantos dessas canetinhas. Eu tentei, e tenho testemunhas, mas não posso, não consigo escapar. É vício desgraçado, ela não me deixa em paz, atrapalhando a minha vida inteira, não fui nem trabalhar por causa dela."

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