quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Tagaralices


1

Na minha infância, uns vinte anos atrás, me chamavam de pentelha e tagarela, sempre recebi advertências de professores em casa, dizendo pra minha mãe que eu era terrível, não parava quieta. Não era muito entendida das palavras, não sabia o que significava a palavra “tagarela”.  Mas a primeira definição de tagarela que conheci era: “alguém que falava pelos cotovelos”.
O que covenhamos é absolutamente estranho. Cotovelos não têm boca. Como andava sempre com os meninos, (porque não gostava de brincadeiras de meninas, eram muito paradas e entediantes).  As minhas professoras sempre chamavam a minha atenção:
- ei menina, fica quieta...
Sempre chamavam a minha mãe.
- a sua filha não tem jeito, é uma pentelhinha!

2

- Pipa, você sabe o que significa inefável?
- inefável? Ô psora, o que é inefável?
- é algo que não se pode dizer
- ué, então diz,
Manias de coisas proibidas! Fiquei querendo saber o que não se podia dizer do Inefável, mas a professora me olhou com um rosto medonho e fui levada para Diretoria. Em casa, tinha uma advertência bem grande: “A sua filha precisa aprender a se comportar e não fazer mais perguntas indecentes!” . 
- que pergunta indecente você fez, Pipa?
- eu perguntei o que era inefável?
- filha que palavra é essa?
- então... a professora falou que não se pode dizer, então eu disse, ué então diz. Mamãe, a minha curiosidade aumenta quando as coisas não se podem dizer. Mãe, o que não pode dizer do inefável?
- filha, vai pro quarto!
- por que?
- você é muito perguntadeira!

3

Perguntadeira é sinônimo de tagarela? Afinal de contas, o que não se pode dizer do Inefável? E se for uma daquelas coisas de adulto, gente grande sabe! Os adultos são cheio dessas pilhas, tudo para eles é dicotômico ou, muito mesmo, generalizante. Por exemplo, a minha mãe vive falando pra mim que os homens são todos cafajestes. Se eles não são, vão ser um dia.  Adultos!
Afinal, não se pode falar do inefável, porque ele é feio. Tipo, o monstro do lago. O que há de estranho nessas palavras? Puxa, uma palavra tão bonita esconde uma coisa feia, igual o lago da minha casa! ( Eu preciso fazer uma pausa para explicar o monstro do lago. Na frente da minha casa, tem um lago bonito que a gente sempre brinca nele, um dia era quase noite, a minha tia tentou tirar a gente lá ( eu e a turminha!). Então, ninguém quis sair, até que ela nos convenceu que, a partir das sete horas, o monstro do lago ficava lá para comer criancinhas. É engraçado! Que depois mais tarde. Eu tinha dezoito já, fui tomar banho lá e não encontrei nenhum monstro do lago, já tinha passado das sete). Quanto ao inefável, acho que não dormi a noite, pensando nessa palavra, pensei procurar ela no dicionário. Mudei rapidamente de ideia. Uma palavra tão bonita não deveria estar nos dicionários, já que é feia para os adultos – porque grande parte deles não têm imaginação, - não será feia pra mim.  Quando se tem uma fôrma de bolo, a gente pode preencher com recheio que quiser, minha madrinha vivia falando isso. No vazio, sempre aparece o novo, é só não ter medo do erro. Nessa idade, a gente aprende algumas coisas. As perguntas nunca são inteiramente respondidas pelos homens grandes.


   4

Com dezesseis anos, li um livro de Bruna Landim, “Do verbo ser irregular”, que explicava o termo “Tagarela”.  A autora citava um trecho de Dostoievski ( esses malditos russos!) , do conto “O subsolo”, que trazia um narrador que dissertava sobre todos nós com teor negativo: “Não passo pois de um tagarela, de um tagarela inofensivo, de um impertinente como todos nós. Mas que fazer senhores, se o destino de todo homem inteligente é tagarelar, isto é, derramar água numa peneira”. 
Bruna Landim disse que, uma vez, percebeu a diferença entre gostar de um cara e não gostar. Gostava de um rapazinho, quando sentia vontade de conversar; não gostava do cara, quando sentia repentinamente o mutismo no seu coração. Ficava absolutamente fria, não emitia sequer um espirro.  Desse jeito, entendeu tudo que tinha que entender sobre linguagem, sendo tagarela quando criança e, absolutamente, muda e séria com alguns rapazes na juventude. Eu cito um trecho do romance dela: “A tagarelice é o uso da forma. O papeador sempre diz experiências em suas histórias, mesmo que elas sejam mentiras. Muitas vezes, o papeador é confudido com o tagarela. Mas quem não consegue notar a diferença disso, não consegue  aproveitar a graça da poesia cotidiana. Existem tagarelas que não pronunciam sequer um espirro de resfriado”.
Eu entendi tudo, lendo essa definição. Desde criança, eu era uma poetisa, a tagarelice escondia o mundo no meu coração. Era minha forma primitiva de lidar com a linguagem. Ser tagarela era uma maneira de lidar com o som, espontaneamente lidava com lado lúdico das palavras, não contava experiências, porque elas sempre nasciam  com uma aparência surrealista. Coisas de crianças! Se a gente continuasse com essa cabeça, com tanto despudor, o Picasso ficaria de cabeça em pé. 

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