sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Isso não é autoajuda


Aos meus amigos inesquecíveis e que não reconheço mais,
quando encontro na rua

façam uma lista de grandes amigos, quem você mais via há dez anos atrás?
(A lista, Oswaldo Montenegro)

, tem muita coisa que a gente tem vontade de dizer pra muitas pessoas. Às vezes, a gente passa a vida inteira sem dizer aquilo que tinha vontade e nunca disse. “Nunca” devia ser verbo. Essa palavra devia ser proibida, porque o tempo do nunca é impossível de imaginar com nosso pensamento, tão limitado e restrito ao planeta Terra. Mas, muitas vezes, as palavras são insuficientes, tem gente que sabe que o nunca é verbo, mas não gosta de falar. Tem gente que nunca vai ter arroz e feijão todo dia na mesa, vai morrer sem RG e sem CPF. Essa gente sabe que o nunca é verbo permanente, bate na porta e não pronuncia a sua sonoridade.
 (mas sempre pensei que a sinceridade era uma qualidade primorosa. Até aprender que os mentirosos vivem mais coisas, vivem inclusive os saltos e os voos da imaginação, vivem o dobro de todo mundo).
 tem muita coisa que eu queria dizer. Mas devo ter muito recalque, nunca digo no momento que eu deveria dizer. É engraçado! Mesmo depois de muito tempo, mesmo não amando mais o mesmo homem, se eu o reencontro com outras moças, fico pasma e sem fala. Ele nem me cumprimenta mais, desce pela rua Voluntários da Pátria, despreocupadamente, com suas obrigações cotidianas zombando sua cabeça.
Alguns dizem que a gente mesmo nunca percebe como o tempo muda; a percepção do tempo está nos outros. É através dos outros que percebemos as pentelhices do tempo. Tem amigos que costumavam comer na minha casa, hoje não tenho mais assunto, não sei nem por onde começar, perdi o costume de conversar com aquele outro, que já fora íntimo em momentos passados. Outros que me ligavam a cobrar, hoje eu não sei nem dizer oi quando passam na rua.  Não sei se me acostumo com essa mudança do outro ou se essa mudança é minha? Não sei se o tempo mudou o meu amigo ou se eu mudei e, absolutamente medíocre, não percebi as mudanças? Não sou filósofa para fazer a pergunta: como o efeito do tempo atinge mais o outro do que você próprio? Por que será que a gente sempre tem essa impressão? Deve ser vaidade, não queremos que o tempo nos ataque, mas é nos outros que a gente vê.  O tempo ataca, quando se está distraído.
Tem muita coisa que eu gostaria de dizer. Mas eu não tenho assunto. Não sei falar português, quando percebo narcisicamente que os ataques do tempo foram maiores para um antigo amigo do que foi para mim. Assumo logo uma posição, nego a existência do tempo. Me engano, minto tanto pra mim, não tenho coragem de aceitar que o tempo também me ataca todo dia. E se um dia, distraidamente, algum amigo antigo conversar comigo, eu não saberia mentir uma intimidade que não possuo mais, conversaria com ele como uma pessoa desconhecida. Era como se, assim, conhecesse outra pessoa que precisaria de mais tempo para me acostumar. Envelhecer também é um processo de aprender consigo mesmo quem é; é o momento de conhecer em si mesmo a pessoa que não conhecia. É provável que eu nem ame mais os meus velhos amigos, mas a pessoa que eu era neles. Eu sinto saudades da minha mentira do passado, não gosto de imaginar que o presente é um enorme conflito do hoje e do ontem. Os tempos vão esparsos, peneirados como água, derramam na mão e  ficam submersos nos poros. Me esqueci que tudo isso é uma questão narcísica. Velhos amigos, eu rezo pra não encontrar vocês na rua, não gosto de ver em vocês o efeito do tempo que também acontece comigo.
Só que tem tanta que eu queria dizer. Queria perguntar: como estão? Mesmo sabendo que seria impossível continuar a conversa. O assunto morreria no momento que nascesse. Mas até tentaria dizer: eu já me reconheci em você, por isso te amei, eu já aprendi com você, por isso que mudei. Eu já liguei pra você às duas da madrugada, já rimos muito e você já me deu ótimos abraços quando precisava. Por isso, não me acostumei ficar sem você. Mas como é importante! Tem escritores que dizem: é melhor já agora, você, leitor, aprender a abandonar os seus amigos desde criança, porque os melhores amigos são aqueles que você precisa abandonar e desapegar, o homem precisa ter coragem de conhecer a vida sozinho e criar novas experiências. A primeira lição do homem é abandonar seus amigos. (acho que é o Henry Miller que disse isso no livro Trópico de Capricórnio, claro, não exatamente com essas palavras) Isso não é autoajuda, isso é vingança contra o tempo. Posso não dizer tudo na hora, mas sempre marco depois. A memória é o pior defeito do escritor, mas nem sempre os defeitos são tão ruins.
Não se esqueçam nunca dessas mentiras: 

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