domingo, 16 de setembro de 2012

Desabafo sobre o andamento de um certo texto não escrito: Do tratamento sobre o tempo presente em outros processos dramatúrgicos


Casos dramatúrgicos: Nora e Édipo
Eu vivendo nessa modernidade, insisto como uma adolescente babaca em afirmar o meu lugar na estante desses livros clássicos. Mas não estou aqui para discutir a tradição, ela existe e nela encontramos valores da nossa tradição e da nossa cultura. Estive nesses intervalos, repensando as dramaturgias de Nora (Casa de Boneca, de Ibsen) e Édipo (Édipo rei, de Sófocles).
A experiência de Édipo inicia na ignorância e na necessidade de responder uma pergunta: quem foi o assassino do antigo rei de Tebas, o que até então não sabido por ele diante do início da investigação, que Laio era o seu pai. O processo de investigação faz com que ele encontre pistas as quais vão se aproximando mais perto do verdadeiro criminoso pelas pestes que amaldiçoaram a cidade de Tebas, o próprio Édipo rei, tirano e bom senhor de todos; na realidade, também fizera essa atitude terrível e não se recordara desse passado, era ignorante do seu próprio destino. Édipo acaba despertando o monstro que ele não sabia que existia nele, o assassino do seu pai e o amante da sua mãe. Um homem culpado, portanto o destino dele é o exílio de Tebas.
A experiência de Nora inicia na proteção e na calmaria do seio do lar e da família burguesa, esposa do diretor de um banco, ela que come caramelos escondido e mente descaradamente para o seu marido.  No passado, para ajudar o marido com uma doença e conseguir dinheiro, ela falsifica a assinatura do seu pai para a família viajar e descansar na Itália.  Acontece uma chantagem em cima da dama, Nora precisa conseguir um emprego no banco para Krogstand, o homem que fez esse acordo com ela em troca da condição de esconder o documento de seu marido. Senhora Linde se posiciona de modo a que faça esta primeira revelar tudo para Torvald sobre esse crime.  Nora desperta o passado, resolvendo através da revelação e da confissão, ao seu marido Torvald, sobre esse ato de falsificação em um documento no passado. Ao revelar, Nora rompe a tradição, sai de casa e deixa de manter as aparências de calmaria no seio de uma família burguesa. “Na hora que Nora sai e bate a porta, abre-se um vão, o céu quase aborta. A lei que era morta, cai no porão” (Canção de Nora, Tom Zé). Ela pegou a história e fez com as suas próprias mãos.
Em ambos os casos dramatúrgicos, o passado é despertado no presente. No entanto, no tratamento de Édipo o problema é as pestes, isso é um problema real que existe no agora, precisa resolver hoje e aqui. No caso da Nora, o problema é esconder essa falsificação que fez no documento, um crime que pode deturpar a imagem da família perfeita e de Torvald; o problema é real, mas está no passado, mesmo precisando que seja resolvido no agora.
II
No Édipo despertar o passado, não trouxe a liberdade, prendeu-se para sempre no castigo e na eterna culpa que sentia por sujar a cidade e a sua família. Esse valor não foi possível realizar e cumprir-se nessa personagem. A culpa enclausurou sua existência e no fim separou uma parte dela para continuar vivendo. Na Nora despertar o passado, apesar de difícil, trouxe a liberdade, não era mais alegre, mas tomou a decisão de romper com o teatro burguês, ficando mais séria e saindo para constituir a história além da arte. Esse valor realizou-se nessa personagem, no entanto não sem arcar com as consequências, sem lutas ou conflitos, não houve romantismos e nem alegria quando Nora saiu de casa, abandonando o lar para escrever o seu próprio roteiro.
Em Walter Benjamim, o materialista histórico deve despertar no passado uma experiência única, deve imobilizar o presente e os gritos que ainda presidem o instante do aqui e do agora. Talvez, em Nora, isso se vê mais claramente, o passado é posto como uma experiência que precisa ser resolvida e que no final o presente é transformado. Nora muda o meio que vive e se modifica também.

Reflexões sobre autoria e arte                                                                                   
Agora vem a questão: qual é relação dessas obras com a arte que produzo? Nenhuma. É um processo dramatúrgico bastante utilizado, até esgotado por muitas pessoas. Porém, como não sou uma pessoa original, e é esses tratamentos que fazem e observo sobre o tempo presente, me interessam, então apenas noto e anoto para não esquecer e tentar imitar mais tarde.
Como falar do presente hoje sabendo tão pouco desse passado? O processo já andou e entrei nele já com “o bode andando”. Às vezes, por medo de errar, não fazemos o que queremos fazer, o temor nos atrapalha. Entretanto (longe disso ser um tratado de autoajuda!) de que vale a vida se fica proibido inclusive o verbo inventar nos nossos dias.
Estava re-escrevendo uma peça que trabalhava no começo do ano “Pra que não falar de amor em tempos de caos”, mudei todo o meu caminho. Transformei a maneira de contar a história e os dramas da juventude de Anabelle e Miguel. Dois jovens que precisam tomar alguma decisão em pleno fim do mundo.  Se Anabelle sair na rua no dia do fim do mundo vai morrer por causa das Forças Armadas e de uma massa intolerante de homens que estão loucos para matar mulheres de classe média, em compensação, ela não deseja que a sua mãe morra também por esse motivo, só que ela não pretende voltar para casa da tia e passar o ano novo comemorando o medo. Então... Ela precisa decidir se vai passar a noite do fim de ano e do “possível” fim do mundo dentro do quarto de motel ao lado de um rapaz que conheceu a pouco tempo e a pouco metros de distância em um bar? Todo enredo deve (não sei) passar dentro do quarto do motel, ambos contam a experiência de viver no último dia do ano e do caos do fim da história. Pra que esse texto é importante?
É uma tentativa de flagrar a relação de dois jovens com um mundo que está prestes a terminar uma história. Não é para revolucionar nem nada, nem para criar linguagem nova nenhuma, até porque é absolutamente banal e tosco. No entanto, conta sobre os filhos dos sobreviventes e sobre a escolha de alienação e individualização para se proteger contra um mundo violento. A necessidade de uma autoconservação e o trânsito de jovens que poderiam mudar a história que se refugiam dentro de um universo escondido e mais ou menos privado, no mundo de transição. Vivem nessa democracia que iniciou-se a pouco tempo, mas sem conhecer os mortos e os sobreviventes da própria história que já correu. Eles estão no meio do processo, mas são absolutamente ignorantes, sem saber qual caminho tomar, muitas vezes, não escolhem caminho nenhum. Ficam a beira.
Ainda estou re-escrevendo. Esse ensaio é só um desabafo. Talvez, eu nem termine. 

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