quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Algumas personagens inacabadas

Certas personagens não morrem. Algumas, quase inertes, só ficam guardadas quietas na gaveta apenas a espreita do melhor momento de explosão para um ato teatral mais propício ao escândalo de inquietudes acumuladas nas entranhas, quase estancadas com lâminas afiadas de angústia. Certas personagens inacabadas são mais explosivas e enlouquecidas para ganhar uma vida do que aquelas que já vivem literariamente.  

Essas personagens não sabem que vivem essa fase do espetáculo de uma não explosão das loucuras guardadas na garganta, tanta vida escondida, mas essa é a vida delas. Elas nem imaginam que vivem, mas estão lutando para viver. Gritam com o diretor, entram em conflitos entre si para conseguir um espaço e tentam a autoafirmação de suas existências. Ora, desconfiam do jogo pré-formulado de atos bem elaborados e coerentes, ora, desconfiam que, ao longo de tantas palavras e ações feitas no momento "aqui" e  "agora", suas histórias sejam construídas e desconstruídas por elas mesmas. Essas personagens inacabadas não desistem dos conflitos, acovardam-se quando percebem o imenso público e vivem a luta de não esquecer o que sentem. Por isso, jogam incoerentemente milhares de discursos revoltosos sobre o mundo e as coisas, querem admitir que suas existências sejam tão ou mais importantes do que os que ganharam a vida como Julieta e Romeu, vivos eternamente na literatura.

São personagens que estão no último mês de gestação, querem ver a luz do sol, querem sair da barriga e chorar a lâmina angustiante da água de amor maternal, da instituição falida da família cristã, dos sonhos roubados pelo Imperialismo norte-americano e da possibilidade de morrer a qualquer momento por um tiro na cabeça em pleno final de semana noturno. Elas querem a vida e querem brincar com a morte.  Querem constantemente a reinvenção de seus atos, querem revolucionar a peça, querem provocar a plateia e convidá-la para subir ao palco para brincar de fazer poesia. São personagens-bomba vão explodir a qualquer momento e matar milhares de pessoas que estão ao redor.

Certas personagens nunca, de fato, nós – escritores – conseguimos realmente se despedir. Mas elas já ganharam as suas pernas. Aí, nós ficamos preguiçosos, porque não queremos que elas fujam de nossas rotinas e de nossas canções, é inconsciente, esquecemos de escrever suas histórias, porque elas já exigem a escrita. Elas querem o verbo, querem estar verbalizadas em papéis brancos. Os escritores, depois de tantos conflitos, perdem a batalha por causa de tanta perseverança e persistência dessas personagens, captando as incoerências de seus discursos e dando asas para seus ódios preservados. Os sentimentos críticos e confusos das personagens inacabadas acumulam-se por muito tempo, mas atacam desprevenidamente e conquistam a verbalização de seus dramas para sempre.  Certas personagens são tão encantadoras que fazem praticamente parte de nossas vidas a ponto de sentir saudades. Sinto saudades...

Nenhum comentário:

Postar um comentário