Sobre o tempo e a memória
Procures a palavra memória nos dicionários. Achaste algo?
Nada, não é?! Passando perfume, limpando a cara da sujeira e da poluição da
cidade de São Paulo, ora eu me lembro do meu rosto antigo que muito se parece
com este de agora. Ligo o rádio, fito-me demoradamente e percebo uma espécie de
déjà vú; em algum outro momento, eu
já fizera essas mesmas ações que agora estou repetindo. Estranho? Ainda não.
São coisas cotidianas, feitas rapidamente sem reflexão, nem tudo da vida
precisa realmente pensar, tem certas coisas que a gente só faz mesmo.
Memória... Memória... Então, como essa palavra me persegue! O
significado de dicionário é insuficiente para lidar com a sensação de um cheiro
antigo de perfume, um odor amigo que me dava tanta alegria, como humor. Aí que saudades de Má, uma amiga
do Ensino Fundamental que, hoje, não deve nem lembrar que eu era a sua maior
confidente das paixões secretas da meninice. Concluo: ela já deve ter casado.
Molho o rosto. Na minha adolescência, fiz um texto sobre os
espelhos, hoje nem lembro e nem gostaria mais de relembrar as palavras que eu
deixei nessa marca do passado. Fito-me outra vez. A minha pele branca se
distrai quando é observada por mim, sou quase um Narciso. A memória não devia
ser como um cofre, deixando as lembranças perdidas dentro de nós, os cadeados
traumatizam sonhos, perdendo o exato instante que deixamos de ser o que
éramos. Limpo-me com uma toalha, os meus olhos quase esquecem que estão olhando
os mesmos olhos, sorrio para mim mesma, brinco de pentelhinha sorridente, as
sobrancelhas levantam-se com espanto e encaram-me com tom de desafio, como se
perguntassem: tens coragem de ser o que quer ser, mocinha?
Procuro a palavra memória no dicionário? Não sei se preciso. Perco
a ideia de tempo enquanto vivo a efemeridade do dia. A vida-a-vida é
intragavelmente mais insuperável que a ideia de teorizá-la, (alguém importante
deve ter falado isso). Não consigo explicar a realidade, tem coisas que gosto
de lembrar, e outras que me deixo esquecer. Aí que saudades do tempo que eu
jogava bola com os meninos, não tinha medo de ficar suja de lama e corria mais
rápida que o vento. Isso é muita nostalgia ou será que já era uma afirmação da
vida que eu vivo hoje? Alguém importante também dizia que toda criança anseia
tornar-se adulto, todo adulto envelhece.
Fito-me outra vez. Mudei algo nesse minuto? Como será que eu era meio minuto atrás e como estou
agora? O tempo foge das minhas mãos. Envelheci alguns séculos essa semana, mas
esqueci de contar para os mais velhos. Apago a luz, fecho a porta do banheiro. O espelho nunca muda, permanece espelho.
Sim... É o preço que pagamos, nascemos... e envelheceremos... a fita no videocassete vai mofar, o café com leite vai azedar, e nossa história, continua sendo o quê deixamos para trás e nossa jornada, aquilo que ainda nem vimos, mas conseguimos imaginar...
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