sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Espelho II:

Sobre o tempo e a memória 

Procures a palavra memória nos dicionários. Achaste algo? Nada, não é?! Passando perfume, limpando a cara da sujeira e da poluição da cidade de São Paulo, ora eu me lembro do meu rosto antigo que muito se parece com este de agora. Ligo o rádio, fito-me demoradamente e percebo uma espécie de déjà vú; em algum outro momento, eu já fizera essas mesmas ações que agora estou repetindo. Estranho? Ainda não. São coisas cotidianas, feitas rapidamente sem reflexão, nem tudo da vida precisa realmente pensar, tem certas coisas que a gente só faz mesmo.

Memória... Memória... Então, como essa palavra me persegue! O significado de dicionário é insuficiente para lidar com a sensação de um cheiro antigo de perfume, um odor amigo que me dava tanta alegria, como humor. Aí que saudades de Má, uma amiga do Ensino Fundamental que, hoje, não deve nem lembrar que eu era a sua maior confidente das paixões secretas da meninice. Concluo: ela já deve ter casado.

Molho o rosto. Na minha adolescência, fiz um texto sobre os espelhos, hoje nem lembro e nem gostaria mais de relembrar as palavras que eu deixei nessa marca do passado. Fito-me outra vez. A minha pele branca se distrai quando é observada por mim, sou quase um Narciso. A memória não devia ser como um cofre, deixando as lembranças perdidas dentro de nós, os cadeados traumatizam sonhos, perdendo o exato instante que deixamos de ser o que éramos. Limpo-me com uma toalha, os meus olhos quase esquecem que estão olhando os mesmos olhos, sorrio para mim mesma, brinco de pentelhinha sorridente, as sobrancelhas levantam-se com espanto e encaram-me com tom de desafio, como se perguntassem: tens coragem de ser o que quer ser, mocinha?

Procuro a palavra memória no dicionário? Não sei se preciso. Perco a ideia de tempo enquanto vivo a efemeridade do dia. A vida-a-vida é intragavelmente mais insuperável que a ideia de teorizá-la, (alguém importante deve ter falado isso). Não consigo explicar a realidade, tem coisas que gosto de lembrar, e outras que me deixo esquecer. Aí que saudades do tempo que eu jogava bola com os meninos, não tinha medo de ficar suja de lama e corria mais rápida que o vento. Isso é muita nostalgia ou será que já era uma afirmação da vida que eu vivo hoje? Alguém importante também dizia que toda criança anseia tornar-se adulto, todo adulto envelhece. 

Fito-me outra vez. Mudei algo nesse minuto? Como  será que eu era meio minuto atrás e como estou agora? O tempo foge das minhas mãos. Envelheci alguns séculos essa semana, mas esqueci de contar para os mais velhos. Apago a luz, fecho a porta do banheiro. O espelho nunca muda, permanece espelho.

Um comentário:

  1. Sim... É o preço que pagamos, nascemos... e envelheceremos... a fita no videocassete vai mofar, o café com leite vai azedar, e nossa história, continua sendo o quê deixamos para trás e nossa jornada, aquilo que ainda nem vimos, mas conseguimos imaginar...

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