segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Pra que serve a Literatura


Eu relutei um pouco para escrever esse texto, é uma opinião muito pessoal e corro o risco de ser um tanto afetada nessa manifestação. Esse texto é uma manifestação sobre a importância de gêneros literários na vida das pessoas. Entretanto, o que é literatura? É, realmente, necessário saber a utilidade ou a inutilidade disso? Pra que serve, afinal, a literatura? Enfim, são as mesmas perguntas que atravessaram séculos na humanidade, mas as respostas são múltiplas e definem a perspectiva de um autor.

Uma definição para efeitos primeiros de reflexão:

Literatura, s. f. (l. literatura). 1. Arte de compor escritos, em prosa ou verso, de acordo com princípios teóricos ou práticos. 2. O exercício dessa arte ou da eloquência e poesia. 3. O conjunto das obras literárias de um agregado social, ou em dada linguagem , ou referidas a determinado assunto: literatura infantil, literatura científica, literatura de propaganda ou publicitária. 4. A história das obras literárias do espírito humano. 5. O conjunto dos homens distinto nas letras. – L. amena: literatura recreativa; baletrística. L. de cordel: a de pouco ou nenhum valor literário, como a das brochuras penduradas em cordel nas bancas dos jornaleiros. L. de ficção: o romance e o conto (também se diz simplesmente ficção). L. oral: Conjunto de manifestações culturais transmitidas oralmente. Faz parte do folclore.” (definição retirada no Dicionário completo da Língua Portuguesa: Melhoramentos, 1994).

Fundamentando-se em cima do terceiro significado dado anteriormente pelo dicionário.  É necessário ampliar a noção de literatura para outros campos de conhecimento além do artístico. Nesses termos, ser leitor não é privilégio somente a quem possui acesso aos romances literários, leitor pode ser qualquer um que possui o hábito de ler e acessibilidade para isso, seja qual for o gênero de discurso. Exemplificarei essa ideia, diferenciando a noção entre manifestações literárias e sistema literário, são conceitos dados por Antonio Candido (2012) no livro Formação da Literatura Brasileira: Momentos decisivos 1750-1880:  

1. Manifestações literárias: são criações esparsas e soltas que não dialogam entre si;

2. Sistema literário: são criações enredadas que, ora contradizem uma anterior, ora reafirmam uma posterior, mas estão ligadas por uma mesma temática ou formato que explicam o momento presente da história, uma experiência em comum;

Desse ângulo, imaginamos leitores que possuem o hábito de ler bulas de remédio, são leitores de manifestações ou de um sistema literário? Se eles estão enredados por uma experiência em comum que propicia um diálogo entre uma manifestação a outra, são leitores “antenados” de bulas de remédio, pois conhecem perspectivas diferenciadas de tratar a mesma experiência do momento histórico presente. São também leitores, mas de bula remédio. Ao contrário disso, quando há manifestações esparsas, que existem, mas não possui uma organização que pretende tratar e dialogar com as experiências comuns da história, então, são manifestações esparsas da literatura, que podem ser facilmente perdida na memória de uma sociedade, ou seja, a falta de organização ou de mapeamento dessas manifestações significa perda de informações da memória de indivíduos em um determinado período da história. É um privilégio criar um sistema, é um terrorismo destruir manifestações artísticas ao longo da história.

Inutilidade de uma obra de arte (?)

Essa discussão é longa e polêmica. Arte não serve pra nada?
Para efeitos utilitaristas, como por exemplo, fazer dinheiro, comprar comida, organizar a casa e fazer guerras. Realmente, não vejo utilidade nenhuma para literatura, de que adianta dominar as poesias de Baudelaire, se tem gente que precisa colocar comida em casa. Literatura não mata a fome. 
No entanto, quando pensamos no Brasil, na quantidade de homens que sabia ler e tinha acesso a romances e folhetins. De imediato, dá uma certa raiva dos homens que defendem (e defenderam) a boa literatura e o sistema canônico dominante.  Em torno do século XVII, o Brasil tinha três milhões de escravos, uma grande população de tribos indígenas e mamelucos, os brancos e homens da província reclamavam a falta de cultura do Brasil, imitavam os europeus e criaram universos literários inacessíveis a grande parte da população. Simplesmente, por causa de um detalhe quase ridículo, tinham mais analfabetos no Brasil que leitores do sistema canônico literário.  Ler foi proibido, ou mesmo, negado a muitos homens desse país.
Arte é inútil? Deve ser, principalmente, quando esse discurso é interessante para uma parcela da população que tem acesso a leitura. Deve ser quase dispensável, quando uns conseguem controlar a mentalidade alheias com argumentos de autoridade inacessível; porque alguns questionam com a realidade, outros só brincam de questionar na ficção e pouco se discutem sobre a possibilidade da literatura ser de todos, não de alguns. É engraçado quando percebemos uma grande massa emergente das escolas e das universidades que saem muitos como analfabetos funcionais, repetindo esse mesmo discurso sobre a inutilidade da Literatura e da Arte no mundo, reclamando a falta de cultura no Brasil e a infestação de manifestações artísticas menores como forró, pagode, funk e hip hop. Os artistas bem intencionados dizem nostalgicamente: “mas isso não é arte, isso é lixo, é merda, como eu gostaria de retornar para o passado e conhecer a bossa nova, o tropicalismo e a música de qualidade”. Enfim, a arte é inútil, tão inútil que é perseguida e negada para uma grande parcela da população.  Ou pior. Manifestações artísticas nascidas espontaneamente, por uma parte do povo, são facilmente marginalizadas e diminuídas aos olhos dos grandes homens das letras do passado.

Sensibilidade e ignorância
A arte é inútil pra quem e qual motivo? Ou é útil por quê? Às vezes, eu penso que é essa pergunta que deveria ser feita. A arte é uma expressão de indivíduo ou um conjunto de indivíduos. A sensibilidade é inata as faculdades humanas e a ignorância é algo comum a todos os homens e mulheres. Sempre ignoramos algo por pré-conceito ou por preguiça.
Se existe, de fato, alguma serventia para literatura é a ampliação da sensibilidade humana para algo melhor (ou pior) do que o humanismo. Ela é um intervalo que incita prazer, mesmo que seja através do estranhamento da realidade. É um exercício da imaginação, é uma espécie de prevenção da ignorância pelos outros e pelo mundo. Não garante a melhoria ou a revolução da sociedade, mas garante a preservação da subjetividade dos indivíduos por eles próprios e a preservação da memória de muitos homens e mulheres que perderam guerras e consolidaram castelos. A literatura não mata a fome, mas assassina qualquer possibilidade de ignorância e insensibilidade pelo outro. Ela implica as fontes de ideologias e propagação de ideias no mundo. A arte é perigosa, cria mentalidades independentes e criativas.

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