Eu relutei um pouco para escrever esse texto,
é uma opinião muito pessoal e corro o risco de ser um tanto afetada nessa
manifestação. Esse texto é uma manifestação sobre a importância de gêneros
literários na vida das pessoas. Entretanto, o que é literatura? É, realmente,
necessário saber a utilidade ou a inutilidade disso? Pra que serve, afinal, a
literatura? Enfim, são as mesmas perguntas que atravessaram séculos na
humanidade, mas as respostas são múltiplas e definem a perspectiva de um autor.
Uma definição para efeitos primeiros de
reflexão:
“Literatura,
s. f. (l. literatura). 1. Arte de compor escritos, em prosa ou verso, de acordo
com princípios teóricos ou práticos. 2. O exercício dessa arte ou da eloquência
e poesia. 3. O conjunto das obras literárias de um agregado social, ou em dada
linguagem , ou referidas a determinado assunto: literatura infantil, literatura
científica, literatura de propaganda ou publicitária. 4. A história das obras
literárias do espírito humano. 5. O conjunto dos homens distinto nas letras. –
L. amena: literatura recreativa; baletrística. L. de cordel: a de pouco ou
nenhum valor literário, como a das brochuras penduradas em cordel nas bancas
dos jornaleiros. L. de ficção: o romance e o conto (também se diz simplesmente
ficção). L. oral: Conjunto de manifestações culturais transmitidas oralmente.
Faz parte do folclore.” (definição retirada no Dicionário completo da Língua
Portuguesa: Melhoramentos, 1994).
Fundamentando-se em cima do terceiro
significado dado anteriormente pelo dicionário. É necessário ampliar a noção de literatura
para outros campos de conhecimento além do artístico. Nesses termos, ser leitor
não é privilégio somente a quem possui acesso aos romances literários, leitor
pode ser qualquer um que possui o hábito de ler e acessibilidade para isso,
seja qual for o gênero de discurso. Exemplificarei essa ideia, diferenciando a
noção entre manifestações literárias e sistema literário, são conceitos dados
por Antonio Candido (2012) no livro Formação
da Literatura Brasileira: Momentos decisivos 1750-1880:
1. Manifestações literárias: são criações esparsas e soltas que não
dialogam entre si;
2. Sistema literário: são criações enredadas que, ora contradizem
uma anterior, ora reafirmam uma posterior, mas estão ligadas por uma mesma
temática ou formato que explicam o momento presente da história, uma experiência
em comum;
Desse ângulo,
imaginamos leitores que possuem o hábito de ler bulas de remédio, são leitores
de manifestações ou de um sistema literário? Se eles estão enredados por uma
experiência em comum que propicia um diálogo entre uma manifestação a outra,
são leitores “antenados” de bulas de remédio, pois conhecem perspectivas
diferenciadas de tratar a mesma experiência do momento histórico presente. São
também leitores, mas de bula remédio. Ao contrário disso, quando há
manifestações esparsas, que existem, mas não possui uma organização que
pretende tratar e dialogar com as experiências comuns da história, então, são
manifestações esparsas da literatura, que podem ser facilmente perdida na
memória de uma sociedade, ou seja, a falta de organização ou de mapeamento
dessas manifestações significa perda de informações da memória de indivíduos em
um determinado período da história. É um privilégio criar um sistema, é um
terrorismo destruir manifestações artísticas ao longo da história.
Inutilidade de uma obra de arte (?)
Essa discussão é longa e polêmica. Arte não serve pra nada?
Para efeitos
utilitaristas, como por exemplo, fazer dinheiro, comprar comida, organizar a
casa e fazer guerras. Realmente, não vejo utilidade nenhuma para literatura, de
que adianta dominar as poesias de Baudelaire, se tem gente que precisa colocar
comida em casa. Literatura não mata a fome.
No entanto,
quando pensamos no Brasil, na quantidade de homens que sabia ler e tinha acesso
a romances e folhetins. De imediato, dá uma certa raiva dos homens que defendem
(e defenderam) a boa literatura e o sistema canônico dominante. Em torno do século XVII, o Brasil tinha três
milhões de escravos, uma grande população de tribos indígenas e mamelucos, os
brancos e homens da província reclamavam a falta de cultura do Brasil, imitavam
os europeus e criaram universos literários inacessíveis a grande parte da
população. Simplesmente, por causa de um detalhe quase ridículo, tinham mais
analfabetos no Brasil que leitores do sistema canônico literário. Ler foi proibido, ou mesmo, negado a muitos
homens desse país.
Arte é inútil?
Deve ser, principalmente, quando esse discurso é interessante para uma parcela
da população que tem acesso a leitura. Deve ser quase dispensável, quando uns
conseguem controlar a mentalidade alheias com argumentos de autoridade
inacessível; porque alguns questionam com a realidade, outros só brincam de
questionar na ficção e pouco se discutem sobre a possibilidade da literatura
ser de todos, não de alguns. É engraçado quando percebemos uma grande massa
emergente das escolas e das universidades que saem muitos como analfabetos
funcionais, repetindo esse mesmo discurso sobre a inutilidade da Literatura e
da Arte no mundo, reclamando a falta de cultura no Brasil e a infestação de
manifestações artísticas menores como forró, pagode, funk e hip hop. Os
artistas bem intencionados dizem nostalgicamente: “mas isso não é arte, isso é
lixo, é merda, como eu gostaria de retornar para o passado e conhecer a bossa
nova, o tropicalismo e a música de qualidade”. Enfim, a arte é inútil, tão
inútil que é perseguida e negada para uma grande parcela da população. Ou pior. Manifestações artísticas nascidas
espontaneamente, por uma parte do povo, são facilmente marginalizadas e
diminuídas aos olhos dos grandes homens das letras do passado.
Sensibilidade e ignorância
A arte é inútil
pra quem e qual motivo? Ou é útil por quê? Às vezes, eu penso que é essa
pergunta que deveria ser feita. A arte é uma expressão de indivíduo ou um
conjunto de indivíduos. A sensibilidade é inata as faculdades humanas e a
ignorância é algo comum a todos os homens e mulheres. Sempre ignoramos algo por
pré-conceito ou por preguiça.
Se existe, de
fato, alguma serventia para literatura é a ampliação da sensibilidade humana
para algo melhor (ou pior) do que o humanismo. Ela é um intervalo que incita
prazer, mesmo que seja através do estranhamento da realidade. É um exercício da
imaginação, é uma espécie de prevenção da ignorância pelos outros e pelo mundo.
Não garante a melhoria ou a revolução da sociedade, mas garante a preservação
da subjetividade dos indivíduos por eles próprios e a preservação da memória de
muitos homens e mulheres que perderam guerras e consolidaram castelos. A
literatura não mata a fome, mas assassina qualquer possibilidade de ignorância
e insensibilidade pelo outro. Ela implica as fontes de ideologias e propagação
de ideias no mundo. A arte é perigosa, cria mentalidades independentes e
criativas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário