segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Descargas psicológicas

Laranja é o sofá.  Em um apartamento estreito e quase vazio, esse é o único objeto que fica em evidência, um sofá bastante confortável que é enfeitado por três almofadas todas brancas de tamanhos diferentes. Ao lado do braço esquerdo do sofá laranja, existe um guarda-chuva fino e cinza que passa uma sensação de elegância.

A mulher de trinta e cinco anos respira o oxigênio que flutua invisível no ar. Melissa, sentada, pensa em fazer chá, apesar de preferir café, talvez poderia tomar vinho, talvez não. Ela queria café, sempre gostou mais da cafeína, só que acabaria fazendo chá, ou então... Não faria nada. Melissa continuaria sentada, pois estava com preguiça de levantar para fazer café, chá ou tomar vinho; ainda ela queria café; ainda faria chá; desejaria tanto um vinho.

Tocou o telefone. Melissa, magra e amorenada, não ia atender, continuaria sentada pensando na possibilidade de tomar ou não tomar café, estava com preguiça e admirava a cor laranja do sofá. O telefone ainda continuava a tocar, podia ser Ulisses, Carlos, Maurício, Antônio ou mesmo aquele outro homem que ela dormiu ontem à noite e não lembrava o nome dele. (Meu deus, como era o nome dele?) Ela não lembrava; não havia importância, focava o pensamento na possibilidade de escolher uma bebida para fazer e tomar.

- Não seria mesmo ninguém - falou Melissa para as paredes, - Eu espero. Aí! Quero tanto tomar um café, - suspirou bem alto, - mas acho que vou fazer um chá

A questão da Melissa não se parece em nada com a questão hamletiana, - ser ou não ser. Sentada no sofá, sem pensamentos de grandes paixões e grandes decisões; a questão melissiana se resume em uma simples decisão trivial e corriqueira demais. Magistralmente. Tomar café, ou tomar chá, - eis a questão. O telefone outra vez começa a perturbar, preocupada com a resolução desse problema. Melissa pensa rápido, corre para cima do telefone, arranca-lhe os fios e joga-o pela janela, caindo do décimo terceiro andar, o objeto suavemente caminha em direção ao chão até finalmente quebrar-se. Melissa ri com crueldade do assassinato banal que acabou de cometer. Um crime sem julgamento. Morreu o telefone.

Ela retorna para a cor do sofá. O apartamento vazio sem murmúrios de telefone, barulhos de porta e risos de amigos, apenas o sofá, a questão melissiana e a própria Melissa preenchendo o espaço estreito da casa que é a única moradia dela. Melissa pensa na solidão desse exato instante, a única companhia que tinha era a possibilidade daquela ligação ser de Ulisses, mas ela assassinou o telefone e essa possível voz masculina. Por quê? Melissa precisava resolver de uma vez por todas o que ela faria. Ou tomava café, ou tomava vinho, ou faria chá, ou não faria absolutamente nada.

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